segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O EXÍLIO DO ARTISTA



Havia muitos sóis na sua vida. Uma claridade tão grande que chegava ofuscar seus olhos ávidos de cores. E de repente, a noite caiu sobre seu caminho como uma longa noite sem lua. E das trevas uma tristeza sem fim invadiu sua a alma e tornou-o cativo da desesperança. Em vão lembrou-se de um conselho de João Paulo 2º asseverando que o pior de todos os pecados é a perda da esperança. Sem os sóis, suas telas também perderam a cor e o cinza formou a grande cortina que tudo escondia.
Feito o Filho do Homem, por 40 dias tateou o deserto em busca de respostas. Respostas que nunca vieram. Aos céus ergueu seus olhos, rogou e orou em busca da luz extraviada. E quanto mais rogava mais distante se afundava. Em vão buscou um deus e encontrou Tirésias, aquele quê tudo vê sem olhos ter. Enfrentou o rosto rugoso de boca sem dentes e órbitas sem olhos e humilhou-se, prostrado até a medula, e como Ulisses, implorou pelas perguntas porque respostas já não mais haviam.
Tirésias gastou as horas em silêncio. O artista ali se manteve inerte, de testa no chão lodoso do Hades, respirando com dificuldade o enxofre que fazia pestilento o ar, enquanto seus joelhos dobrados latejam de dores lancinantes. O silêncio sepulcral fez as horas pararem e os ponteiros dos minutos e das horas encavalaram-se paralisados. Ele podia ouvir seu coração aos solavancos e sabia que não havia no peito de Tirésias um coração para bater.
Uma eternidade desdobrou-se no silente contato. Quando Tirésias abriu sua boca sem dentes uma avalanche de sons e luzes dominou aquele mundo fétido e cinzento, tudo clareando e tudo perfumando. O artista puxou o fôlego com a força dos pulmões de um afogado. Seus ouvidos escancaram os tímpanos e a voz tonitruante de Tirésias se ouvir: - as perguntas e as respostas estão todas contidas dentro de ti. - E em seguida ordenou: - levanta-te e anda.
Num átimo e Tirésias não mais estava ali. O artista, vencendo a fenda do tempo e do espaço, acordou de repente num banco de jardim da pequena Neves Paulista, sua cidade natal. Sentia-se leve como uma pluma de paina a voar pelos ares caipiras. De repente as cores estavam de volta e todos os encantos retornavam inundando sua alma de alegria e felicidade. Girassóis espocavam todos os tons de amarelos e suas telas devolviam a vida que haviam caprichosamente escondida. Ele sempre soube que a vida estava ali, encafuada em algum canto, mas não tinha forças para desejá-la nem buscá-la.
Sentiu-se sarado.
A cura envolvera-o de tal forma que nada mais restava doente em sua alma que nunca fora pequena. O riso que estava exilado, agora, anistiado, dava mais uma vez o ar da graça. E como o menino de pés no chão, calças curtas e camisa encardida de saco de açúcar, feliz na liberdade de antanho, ele correu para os seus pincéis com a mesma euforia dos tempos em que rabiscava a arte primeva com carvão sobre as paredes alvas de saibro da casa de pau-a-pique.
O artista reencontrara a si mesmo.
Agora, novos motivos havia para viver. Recordou a poesia de Zequi Elias, as crônicas de Romildo Sant’Anna, os contos de Dinorath do Valle, a prosa harmoniosa de Domingo Braile e decidiu compor um ode à vida e à esperança. Recordou as cores luminescentes de Orlando Fuzinelli, a alegria quase infantil dos quadros de Daniel Firmino, a placidez das obras de Caio Carvalho e Alcides Rosani, a sobriedade de Antonio Portela, a ousadia moderna de Araguaí Garcia, a singeleza das aquarelas de Maria Helena Curti... e a arte de tantos e tantos outros colegas artistas e sentiu o ar rasgando seus pulmões colmo a criança que vem ao mundo após o duro trabalho de fórceps.
Então, ele restabeleceu seus contatos com o mundo. Desejou um abraço do filho e um beijo das filhas; ensejou para si mil pedidos de perdão e arrancou do fundo da alma nova centelha de vida. Vai, meu amigo, assim como Deus deu a Abrão um filho tardio com Sarah, você também merece retomar a senda da felicidade. Se preciso for, faça como Henrique IV, imperador da Germânia, e ajoelhe-se como ele na neve ajoelhou-se em Canossa em busca de perdão após o sínodo de Worms. Penitenciar-se pode ser o caminho mais curto para a felicidade em plenitude.

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