terça-feira, 8 de novembro de 2011

OS LIVROS



Na viagem para Sergipe reli O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, e tropecei numa frase emblemática que resume a personalidade do autor num monólogo de Santiago com o peixe grande, na página 109 da 16ª edição, quando ele diz: “Mas o homem não foi feito para a derrota. (...) Um homem pode ser destruído mas nunca derrotado”. Na página seguinte, outra síntese do pensamento hemingwayano:  “É uma estupidez não ter esperança, (...) além disso acho que é um pecado perder a esperança”.
Este livro é uma obra-prima, carregado de metáforas e símbolos; é como água de cacimba no meio do deserto, um alento de fé no lodo da incredulidade. Gosto de Hemingway reflexivo, assim como Albert Camus em O Estrangeiro e em A Queda. São viagens interiores ao submundo do homem. Muito mais que um berro, são lamentos humanos em busca de ouvidos divinos. Somos todos um misto de Santiago e Meursault em plena queda.
De volta a Rio Preto, Wagner Sereda me apresenta um projeto interessante para resgatar as obras de Malba Tahan, pseudônimo de Júlio César Melo de Souza, um notável escritor brasileiro que anda um tanto esquecido do grande público. Como é que se pode esquecer no pó das prateleiras livros como O Homem Que Calculava e A Sombra do Arco-Íris? Ele escreveu 69 livros de contos e 51 de Matemática... Um homem desses merece estátua em cada canto deste país inculto que a cada geração massacra ainda mais a última flor do Lácio.
Mimi Marconi me telefonou ontem. Ele me fala de suas coleções de primeiras edições de grandes autores nacionais. Me assegura que tem Malba Tahan entre tantas obras de destaque como as primeiras edições de Jorge Amado e Monteiro Lobato, com magníficas ilustrações de Di Cavalcanti; e capas premiadas de Tomás Santa Rosa e Clóvis Graciano.
Mimi é o nosso José Mindlin caipira. Bibliófilo, ele gosta de bons livros e cultiva os bons escritores. A diferença entre Mimi e Mindlin é a disponibilidade pecuniária para busca de raridades. Entretanto, ele mantém em sua casa, na Boa Vista, raridades que mesmo Mindlin morreu sem tê-las. Um bibliófilo é na verdade um colecionador de livros. Tem gente que coleciona lata de Coca-Cola, como o meu amigo Madeira, outros, como Tadao, do Mercadão, coleciona selos, e Accácio de Oliveira Santos Junior coleciona edições de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry em dezenas de traduções diferentes – até em russo! Mas também há aqueles que são como Clegg, personagem do perturbador O Colecionador, de John Fowles, em busca constante de aprisionar sua Miranda.
Prosear literatura é algo cada vez mais raro. Os acadêmicos, os doutores, desprezam a literatura dita comercial. Querem ficar nos clássicos, nos antigos, na sedução das palavras difíceis e dicionarizáveis. Mas a patuléia, da qual faço parte, gosta mesmo é de um bom romance de fácil leitura e incontestável compreensão.
Talvez, o grande mérito de Paulo Coelho, Ágatha Christie e J.K. Rowling seja abrir as portas do mundo encantado do livro para milhões de pessoas em todo o planeta. No Brasil, aprendemos a beber vinho com o liebfraumilch Peter Brum, um branco adocicado e macio, de 9,5 graus, exportado da Alemanha, da região do Rheinhessen, acomodado naquelas belas garrafas azuis.  Tem muita gente papagaiando enofilia por aí que teve como primeiro gole este vinho alemão que invadiu o Brasil nos meados dos anos de 1980. Considero Paulo Coelho como um bom e autêntico liebfraumilch...
Agora estou lendo Luiz Edmundo, uma edição de 1950 de Recordações do Rio Antigo. Comprei este exemplar há 11 anos, numa feira de rua a um quarteirão da Biblioteca Nacional, no centro do Rio de Janeiro. O exemplar, segundo um carimbo na folha de rosto, pertenceu a Leoberto de Castro Ferreira. O livro é um primor narrando historietas dos tempos de Antonio Salema, marquês de Lavradio (D. Luís de Almeida Portugal Soares de Alarcão d’Eça e Melo Silva Mascarenhas, décimo primeiro vice-rei do Brasil, D. João VI e Pedro I.
Luiz Edmundo leva seu leitor para as ruas barrentas e sujas da velha capital do Brasil, quando ainda era temerário classificar o Rio como “Cidade Maravilhosa”, apesar de todo o esforço da francesa Rose Marie de Freycinet, em seu diário de viagem a bordo do corveta Uranie. Edmundo nos conduz a um Rio que ainda não passava de uma vila malcheirosa com status de capital.
Ler ainda é o maior barato!

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