sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O FORTE E O MOSQUITO




Um vento fresco quebra o calor do sol impactante de Macapá. De pé, na ponta do píer, observo os peladeiros no barro deixado pela maré baixa. Homens, mulheres e crianças aproveitam a tarde de domingo para bater uma bola no terreno molhado, formando uma poça aqui outra ali. Um cidadão solitário, de bermuda e camiseta, refresca-se, deitado numa poça que mal lhe cobre o corpo. Ah! se tivéssemos isso lá em Cosmorama...

A maré sobe a cada quatro horas. Eles tem apenas quatro horas para brincar. Depois, quando a maré subir, ondas fortes formarão vagalhões que podem engolir uma pessoa. É um verdadeiro mar, com todas suas nuances. Mas, na verdade, é um rio. De onde estou, avisto no horizonte, lá longe, uma linha escura. É floresta. Eu sei. O Google me diz que é a “Ilha do Cara”, mas Hildegard Gurgel, macapaense nativo, me diz, com convicção: é tudo Marajó. Tudo o que você avistar é a ilha de Marajó. Assim como toda a água que você está vendo ou viu de cima, do avião, é o Amazonas. O Grande Rio-Mar.

Marajó é uma grande ilha cercada de ilhas por todos os lados. Ou seja, é um arquipélago. Tudo que vejo é água. No píer, barcos e gaiolas aguardam a maré subir, com seus cascos em terra firme. Daqui a pouco a maré subirá e eles flutuarão. Um deles vai para Afuá. Onde fica Afuá? Fica no Marajó. Ostenta o título de a Veneza Marajoara. Ou, a Veneza brasileira. E como não poderia deixar de ser, lá tem Bradesco. E muita, mas muita bicicleta. As ruas são feitas de tablados de madeira, por cima da água. Não há carros em Afuá. Até a ambulância é improvisada numa bicicleta chamada “bicilância”; assim como há o “bicitáxi”. Brasileiro se inventando. 

Não, eu não fui em Afuá. Um dia irei. Quero conhecer Afuá e Bailique. 

Em Macapá encontro um tempo para percorrer o Forte de São José. É difícil imaginar o que esses portugueses malucos fizeram para tomar posse desse enorme território chamado Brasil. Do Oiapoque ao Chui são quase 4.200 quilômetros em linha reta. O jornalista Platão Arantes, que não é meu parente, sustenta que o ponto mais ao Norte do Brasil é o Monte Caburaí, onde fica a nascente do rio Ailã, na Roraima. Oiapoque já era. Perde por cerca de 100 quilômetros para Caburaí. Quem acha que é pouco, tente andar 100 quilômetros a pé. 

O forte segue o padrão português. Um enorme quadrilátero de 30 mil metros quadrados, com quatro pontas da lança e enormes muralhas de pedras. Foram 18 anos de construção usando mão de obra escrava de negros e índios. A maior fortaleza da América Latina ficou pronta em 1782 e nunca sofreu nenhum ataque militar. Seu maior inimigo foi o mosquito da malária.

Devaneio olhando do forte o Rio-Mar que se estende logo embaixo e penso no que o homem é capaz de fazer. Eu, com os pés fincados na muralha do forte, posso divagar sobre a condição humana. Aquelas pedras encaixadas uma a uma, consumindo vidas, suor, lágrimas e sonhos, aguardam há 235 anos um ataque que nunca chegou. Mas a malária sim.

Abram alas ao gigante Anopheles! O grande predador de humanos. Ontem, hoje e sempre.

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