domingo, 18 de março de 2012

AQUI, HÁ 160 ANOS.


Batida de abacate e um copo de guaraná Fors. Lá fora urram os aviões da Esquadrilha da Fumaça. Presente do prefeito para o povo. Presente pago com o nosso dinheiro dos impostos. Portanto, é um presente da cidade para si mesma. Amanhã São José do Rio Preto faz 160 anos. Pelo menos é o que pensam os historiadores.
Na verdade, ninguém sabe direito a data exata da fundação da cidade. Trabalha-se com hipóteses. Há muita coisa de ouvir dizer. Os antigos diziam “meu avô contava que...”. E falta muito documento.
Alguém doou umas terras para São José. Teria sido Luiz Antonio da Silveira ou o seu pai, Antonio Carvalho da Silva? Ou seu parente Vicente Ferreira Neto? Existem várias versões sobre essa doação. Um deles teria doado o terreno do centro para São José. Outro para Nossa Senhora do Carmo. Um para São Vicente Ferrer. Até São Miguel já andou aparecendo por ai. O certo é que São José venceu os demais. Pudera, o santo é pai de Jesus. Com um filho desse naipe fica difícil a concorrência!
A coisa começa a ficar complicada quando você descobre que quem doou as terras doou algo que não era seu. Isto é, os pioneiros da região eram posseiros, vieram de Minas pra cá em busca de terras sem dono. Fincaram um galho num canto e disseram: “isto aqui, a perder de vista, é meu”. Cada um pegou um pedação de terras e decidiu doar um pedacinho pro seu santo de devoção, de forma que garantiriam o surgimento de uma vila.
Um dia, lá por volta de 1850, chegou João Bernardino de Seixas Ribeiro com mulher, agregados, escravos e tralha. Pegou um lote de terra ali na Tiradentes com a Voluntários e ergueu uma tapera grande, com paredes de lascas de macaúbas e ripas de bambus amarradas com embira e rebocadas do bom saibro do Canela – ou do Borá! – e coberta de sapé.
Havia índios guarani por aqui. Os índios eram muitos bons neste negócio de se proteger da água com capim sapé. Devem ter ajudo João Bernardino em troca de cachaça, rapadura e fumo.
Mas a pergunta é: - de quem João Bernardino comprou aquela data de terra? Da Igreja ou dos posseiros? Ou de ninguém? Seria ele mesmo um posseiro? Quando ele morreu, em 1907, deixou três grandes fazendas para seus herdeiros!
Tento conceber em fantasia como era a vida em São José do Rio Preto na metade do século 19. Não consigo. Tento imaginar como o futuro Visconde de Taunay viu o vilarejo naquela manhã de julho de 1867, quando retornava do front paraguaio! É impossível.
Como era a senzala onde João Bernardino mantinha seus escravos... e como era a sua relação com a negra Mariana “A Desguelada”, com quem, segundo crença antiga, ele teve quatro filhos bastardos. E como conviviam juntas as duas Marianas, a esposa amante e a escrava amante? Que mundo era aquele!
Enquanto escrevo, falo pelo MSN com a prima Bianca Lemos, que vive em São Paulo. É jornalista e proseamos sobre shopping center, síndrome do pânico e pizza da Famiglia Mancini, ali na rua Avanhandava.
Uma coisa puxa a outra. Avanhandava era parte de São José do Rio Preto antigamente. O salto e o rio Tietê. O território debruçava-se sobre o Tietê e chegava ao espigão do rio Aguapeí. Era um vasto campo sem dono. Do lado de lá do Tietê viviam os ferozes índios Kaingang com o assombroso hábito de cortar e levar consigo a cabeça dos seus inimigos (de preferência brancos).
Brinco com Bianca: o mundo mudou muito. Os rio-pretenses oitocentistas sofriam de alguma coisa parecida com síndrome do pânico ou depressão? Sofriam de medo, talvez, de cobras e outros bichos. N’O Porvir de 1904 tropecei com uma notícia de um homem negro que morreu encostado numa árvore. Causa da morte: uma inflamação causada por um estrepe de coqueiro.
Ainda bem que o mundo mudou muito.

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