segunda-feira, 12 de março de 2012

COISAS DO BRASIL




A vista do verde mar e seu encontro com a linha do horizonte é simplesmente magnífica pra quem olha do primeiro andar do hotel Sol Bahia. Seja de manhã, quando o sol do leste arranca lampejos das águas esverdeadas, seja à tarde, quando o sol já descambou para as bandas de Itaparica. A beleza natural parece ter nascido aqui. Olhar, contemplar e relaxar. São convites tácitos e mudos. Olhando tudo isso é possível entender que a baianidade é um estado de ser e não um estilo de vida.
De manhã, tomando café e saboreando uma deliciosa tapioca, recebo mensagem de Marciana Gomes Lopes, com um belíssimo texto de Carlos Heitor Cony sobre o poema “O Corvo”, de Edgard Allan Poe. Leio-o atentamente. Sempre gostei de Poe, desde que me deparei com os dentes de Berenice; deixei de gostar de Cony desde que ele aceitou aquela indenização fajuta por ter perdido um emprego a mando dos militares. Ele e Ziraldo perderam o encanto que eu tinha por eles. Foram tão baixos e apátridas como aqueles que os perseguiram e esses que estão lhe pagando as infames indenizações.
Penso, bebericando um suco de umbu, que se Poe tivesse visitado a Bahia, com certeza não teria morrido na sarjeta, devassado pelo ópio e coberto pelo opróbrio do vício. Teria versejado com mais alegria e iluminado de morenidade a sua trajetória nesta vida. Poe alcançou a glória no peso firme do seu pulso de escritor inimitável.
Imaginei um encontro entre Poe, Jorge Amado e Vinícius de Moraes nas areias de Itapuã. Claro que eu gostaria de integrar ao grupo Ernest Hemingway e Érico Veríssimo. Machado eu não colocaria; penso que ele - assim como Dostoievsky - devia ser muito pernóstico, chato de galochas. Nem Fernando Pessoa. Mas incluiria de bom gosto Eça de Queiroz. Ah, Ambrose Bierce também caberia aqui, com seu diabo interno lhe atormentando a alma e cutucando com forcado em brasas seu espírito indomável.
Tenho quase absoluta certeza de que todos estão entabulando bons saraus literários em algum canto do universo reservado para estrelas em estado latente de exílio. Como as mulheres ficaram de fora, acrescento entre eles Dinorath do Valle, Raquel de Queiroz e Delmira Agustini. Opa, levo ao grupo Pablo Neruda e Jorge Luís Borges para não me acusarem de antissulamericanismo (se essa palavra não existe, acabei de inventá-la!).
Pensei comigo, vendo as ondas quebrando na praia de Patamares, sobre a incrível parecença que tinham Jorge Amado, Dorival Caymmi e Antonio Carlos Magalhães (ACM). Colocando-os lado a lado, dir-se-ia serem filhos do mesmo pai. Ou da mesma mãe. O mesmo acontece com as figuras de Tom Jobim, Luiza Erundina e Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Marinenghi de Guarnieri... guardadas algumas mínimas proporções.
Sei que o leitor, especialmente Antonio Luiz Pimentel, vai dizer que dizer que viajei. Garanto que viajei mesmo. É impossível não viajar diante de tão bela paisagem. Dá até para imaginar a chegada dos portugas nas naus do comandante Pedro Álvares Cabral. É possível imaginar o susto que levou o índio que subiu no coqueiro mais alto e gritou para os debaixo, após ver a fila de caravelas no horizonte: “naus à vista!”
E como não imaginar aqueles portugueses barbados, sujos e fedorentos, com os olhos de fome a devorar as índias nuas e morenas com seus cabelos negros e lisos com as vergonhas de fora, depois de dias e dias trancafiados naqueles caixotes navegantes sem mulheres e sem privacidade alguma para práticas onanistas. Penso que a primeira missa é na verdade um engodo histórico para camuflar o primeiro bacanal em terras brasilis. Ah, se penso!
O baiano Jorge Aleluia, que ontem fez aniversário, me rouba de meus devaneios. “Se pique paulista, s’imbora ao mercado!” disse ele, com a voz cantante e vivaz dos baianos. Fomos nós para a cidade baixa, elevador Lacerda, Mercado Modelo todo carregado de badulaques, caminhos, pano de prato, tolhas de fibras de coco e de filés e outros souvenires, telas e máscaras, berimbaus, atabaques, agogôs, caxixis e reco-recos...
Para o almoço... bem, o Restaurante Bargaço, o original, dispensa comentários – em especial o caruru. Detalhe é que o nome da casa deveria ser “Bar do Garçom”. O pintor errou e escreveu Bargaço. Pegou. Coisas do Brasil. (Salvador)

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