quarta-feira, 13 de março de 2013

A AGONIA DO BEZERRA DE MENEZES


Logo que tomou posse como prefeito de São José do Rio Preto, em 2001, o prefeito Edinho Araújo, adotou uma silenciosa decisão que atingiu centenas de famílias e colocou o Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes na rota da bancarrota. Edinho cortou uma verba mensal de R$ 40 mil que o hospital recebia. O novo prefeito pensou apenas nos números prefeiturais; nunca pensou no pesadelo que é ter um doente psiquiátrico em casa. 

Acho que Edinho, naquele momento, teve um surto foucaultiano e endossou a desastrada política antimanicomial que prega o fechamento de todos os manicômios, devolvendo às famílias os seus loucos varridos, seus doentes mentais, seus psicóticos e esquizofrênicos. De pensadores lineares como Michel Foucault o mundo está cheio.

Os homens do governo, sentados em seus gabinetes com ar condicionado, água gelada, cafezinho com bolacha e belas atendentes de pernas torneadas ávidas por uma promoçãozinha qualquer, decidem o futuro de milhares de famílias quando apregoam que os doentes mentais devem ser devolvidos aos seus familiares e as suas comunidades.

É, não é com eles. Eles não tem doentes psiquiátricos em suas sagradas famílias.

Talvez eu não esteja sendo politicamente correto falando loucos e dementes. Ando, de certa forma, enojado da linguagem politicamente correta que virou febre neste país. Agora eu preciso escrever como quem pisa sobre ovos. Um escorregão e lá vou eu preso por crime inafiançável, sob acusação de racismo e outros ismos.

Enquanto as autoridades antimanicomiais realizam suas pesquisas, milhares de pessoas com demência vagaram por ai, sendo acolhidos aqui e ali por instituições de caridade, mantidas por parte da sociedade, como o Bezerra de Menezes. Outros foram deixados ao Deus dará: morreram de frio, de sede e de fome; foram seviciados, espancados, torturados e abandonados. Existe algo mais anticristão do que abandonar à própria sorte um ser humano incapaz de pensar e agir por si só?

Pois é, este ato tão anticristão ocorre todos os dias em alguns lares ditos cristãos. A paz da família vem em primeiro lugar. Se os manicômios, que foram construídos para isso, não os querem, por que a família há de aguenta-los? Afinal, eles fazem parte da sociedade e de certa forma atormentam essa mesma sociedade que os querem fora do seu convívio.

Lembro-me dos loucos da minha infância. Zé Tita, Osvaldão, Pedrão Preto, Zuza, Flexinha, Maria Sete Facadas, Deo (meu primo Deo) e toda a cidade, de certa maneira, cuidando deles. Quando ficavam muito agressivos ou perdiam a noção do respeito público, eram internados e depois voltavam tranquilos ao convívio social. Mas alguns não são assim e precisam de tratamento contínuo.

Meu primo Deo divide sua vida entre alguns dias em Cosmorama e muitos dias no Bezerra de Menezes. Para ele, sua casa é o hospital. Ele não gosta de sair de lá. Quando vai a Cosmorama fica irritado e poucos dias depois ele surta. Quebra tudo o que encontra pela frente e quatro homens tem dificuldades para controla-lo. Mas é entrar na ambulância e sua agressividade termina. Ele sabe que está voltando “para a sua casa”, o hospital.

Deo gosta de revista Caras e caixa vazia de chocolate Suflair. Ele não sabe ler, mas não adianta dar outra revista nem outra caixa de chocolate. Quando está em Cosmorama ele vai a todos os estabelecimentos comerciais pedindo caixinha de Suflair. Passa horas folheando revistas Caras e sabe perfeitamente quando é uma nova edição.

Ele também gosta de fumar. Fuma um cigarro atrás do outro. Tem o péssimo costume de cortar o filtro e fumar até queimar a ponta dos dedos (não adianta dar-lhe cigarros sem filtro, ele não aceita). Gosta de trocar cigarros e muitas vezes ele é enganado pelos menos loucos: dão-lhe um maço com um ou dois cigarros e ficam com o maço cheio que ele troca. A única coisa que ele não aceita trocar, dar ou emprestar são suas revistas Caras. Elas são, como diria o ministro Magri, imexíveis. São seu tesouro e sua riqueza.

O que o Deo fará de sua vida sem o seu lar que é o hospital Bezerra de Menezes? Como ele, há outras dezenas de pacientes no hospital.

O que mais desgosta nisso tudo é tentar entender porque os prefeitos, que são eleitos para melhorar a vida da população, fazem a vista grossa e viram as costas para instituições como o Bezerra de Menezes e tantas outras que ai estão em agonia, morrendo à míngua.

Homens como Gracio Tomas Saturno e todos seus colaboradores no Hospital Bezerra de Menezes, do varredor de chão ao médico mais graduado, merecem da sociedade um enorme voto de louvor. Esse hospital - sonho de centenas de rio-pretenses, cristalizado no coração maravilhoso de sua fundadora, Domingas Rici do Amaral - necessita do amparo da sociedade e das autoridades regionais antes que sua agonia se transforme em coma irreversível.

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