sexta-feira, 28 de novembro de 2014

RIO PRETO D - MIOPIA

Publicado no Jornal D Hoje Interior publicação em 28/11/14





Tem gente que não se enxerga. Eu sou uma dessas pessoas que não se enxergam. Como diria o Arlindão, lá de Cosmorama, pai do Ataíde: sou um estrupício abelhudo. Chamar alguém de estrupício só pode ser o cúmulo do carinho. Até hoje, decorridos ai uns quarenta anos, nunca soube se o Arlindão estava me dando um tratamento carinhoso ou se estava de fato me xingando. A probabilidade da segunda hipótese é muito grande, diante da minha enorme capacidade de fazer arte quando era moleque.

Da infância desbragada à adolescência rebelde foi um passo. Fui salvo de várias situações quase que por milagre. Está certo que os livros me ajudaram muito. Comecei a fumar aos dezessete anos e a beber aos dezoito. Não suportava aquele gosto azedo da cerveja. Mas para enturmar nada melhor que uma pitada de sal no punho para aguentar o gosto ruim da bebida. Assim, aprendi a beber, contra todas as regras morais, inclusive as minhas, quebrando promessas feitas em momento de muita dor e vergonha.

Filho de pai alcoolista (na época era dito alcóolatra), eu tinha um medo danado de me tornar um bêbado como ele, meus tios e seus amigos mais chegados. Desde a tenra idade eu havia prometido que não seria um pau-da-água, um cachaceiro como diria minha mãe. Ou um dipsomaníaco, como diria simplesmente a doutora Sílvia Helena. Isso me recorda as crônicas dos anos de 1980, quando escrevia a coluna Rio Preto 1.

Fumar foi um drama. Experimentei cigarro pela primeira vez aos treze anos. Coisa do Dula. Vomitei as triplas na primeira tragada. Só voltei a colocar um cigarro na boca quando fiz dezoito anos, por achar bonito. Albany; de filtro de carvão. Ou Arizona, dependendo da grana no bolso. Fumar Albany era não se enxergar. Muita exibição por parte de um pobre diabo sem um gato para puxar pelo rabo. Mais tarde fumei Chanceller e quando dei fim ao vício estava queimando Free. 

Trabalhar em jornal foi outro ato de abelhudo. Ainda me lembro do doutor José Barbar Cury me ensinando o caminho para o sucesso no jornal: “não vai se meter a ser repórter!”. Ele estava, no fundo, querendo me afastar das ‘más companhias’ que sabia serem muitas no jornalismo da época. Para Barbar, eu devia aprender o ofício de linotipista. Ele mal sabia que essa era uma profissão fadada à extinção em poucos anos. 

Mas eu era abelhudo. Não virei linotipista. Nem me enxerguei quando o prêmio Esso João Albano me convocou para ser seu auxiliar no jornal na parte da manhã. Ele era o editor. Eu fui. Ainda me lembro que o primeiro relise que ele me mandou “cozinhar” foi da CPFL sobre falta de energia elétrica. Reescrevi o texto umas cinco ou seis vezes, até que ele aceitou como bom. A partir dai nunca mais parei de escrever. Com a mais absoluta certeza, devo ter escrito em treze anos mais de cinco mil páginas de jornal standart.

Coisa de quem não se enxerga. Ainda bem que tenho miopia e também não enxergo de perto. Vivo neste limiar ótico, sem ver de perto nem de longe. Talvez por isso, por não se enxergar, eu vim e continuo vindo e como disse o destemido Júlio Cesar nas barrancas do pequeno Rubicão: vim, vi e venci.

Bom. Vencer é outra coisa!


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