segunda-feira, 17 de novembro de 2014

RIO PRETO D - A VOLTA DO CRONISTA

Publicado no Jornal D Hoje Interior, edição de 16/11/14




Tarde de primavera com horário de verão e chove em Brasília. Do quarto de hotel onde me hospedo vejo a torre de TV, no Eixo Monumental, e ao fundo, entre a névoa do olhar, começa o cerrado. A vista é boa, bucólica. Porém, melhor que a vista, é o canto de um sabiá laranjeira. Este canto que remete às lembranças nostálgicas da infância, para um tempo quando este mesmo canto pouco dizia para nossos ouvidos entupidos pelos pueris sonhos infantis. É o tempo que nos faz gostar e desgostar das coisas.

Penso em como contar isso para as pessoas. No Facebook? No blog. Nos endereços eletrônicos que teimamos em soletrar por “e meio”- para contragosto de Durval Noronha Goyos, que fala inglês juramentado! Foi neste instante fatídico que a velha página de jornal me veio à cabeça. Crônica. Voltar a escrever crônicas, como eu fazia nos anos de 1980, diariamente, na Folha de Rio Preto de saudosa memória.

Todos os dias eu me sentava diante da velha Remington (às vezes era uma Olivetti) e datilografava com dois dedos a minha crônica, o meu modo canhestro de ver o mundo e de saudar a vida. Com quem aprendi escrever crônicas? O primeiro mestre foi João Albano. Cronista de mancheia. Depois me aventurei pelas lides de Rubem Braga, Lourenço Diaféria, Paulo Mendes Campos, Lago Burnett e Carlos Drummond de Andrade... além de poeta, um excelente cronista. 

Eram os velhos anos oitenta e a cidade parecia fervilhar de cultura. Ou foi um engano meu que perdurou na minha memória? A vida era solta e não tinha compromissos maiores do que cuidar de mim mesmo. Ou como diz meu amigo goiano Jorcelino Braga: eu não tinha um pardal para dar água! Hoje, olhando de longe, posso chamar aquele estilo de vida de felicidade. Claro que meu urologista, Carlos Verona, discordará. Para ele, estilo de vida é um modo de cuidar do corpo, mente e espírito. Coisa que nunca fiz. Corpo e mente e espírito são peças dissociadas que habitam o meu invólucro carnal, como diria Focássio, lançando mão de sua perspicácia espírita.

Usei meu celular (tipo de aparelho que não existia ainda nos filmes de ficção de quando éramos crianças) e liguei para Edson Paz. Contei meus planos de voltar a escrever crônicas. Todo dia? Diariamente. Se você permitir, é claro. Ele permitiu. E aqui estou eu, inaugurando este espaço. Não escreverei para você. Nem para mim. Escreverei para nós. E nós somos todos aqueles que ainda sentem prazer em sujar as mãos com a tinta do jornal.

Penso que talvez sejamos a última geração que lê jornais de papel. As próximas gerações haverão de ler as notícias somente pelos meios eletrônicos. Será um avanço, claro. Talvez a natureza nos agradeça. Sem papel, sem árvore para derrubar. Ou talvez seja uma armadilha: sem árvores, sem replantio de florestas. Há sempre uma cilada no final da estrada.

Estou feliz por voltar a escrever. Por saber, como diz Edmilson Zanetti, que a mosca está sempre nos picando. Este espírito agudo e crítico. Hoje quase cai da cadeira ao ler na tela da Globonews a palavra “estrupos”. Na Globonews? É, sim, pois não. 

Jornalista é que nem lobo, perde os dentes, a natureza jamais. E assim, eu me desafiarei a cada dia, aceitando o que Paulo escreveu aos Colossenses: “e tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo coração, como ao Senhor, e não aos homens”.

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