quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

RIO PRETO D - MEU VÍCIO

Publicado no Jornal D Hoje em 22/01/15


Escrever é vício. Escrever bem é difícil. Uma vez que se pega o hábito de escrever fica complicado parar, dar um basta. A atualidade torna o escritor, em especial o cronista, um obcecado nos fatos do dia a dia. Fica impossível olhar o mundo com indiferença. Tudo parece crescer como um tumor intumescente, pedindo para aflorar, para romper o silêncio e explodir como uma escrófula sobre o papel branco. Relatar, mostrar, retratar como um fotógrafo retrata os acontecimentos. O cronista é um retratista das letras.

O calor infernal, por exemplo, que nos assola nestes dias de verão, é digno de registro. Quem sabe, daqui cem anos, alguém pegue esta crônica numa hemeroteca digital, e leia, com certo espanto, que em janeiro de 2015 o clima chegava aos 38 ou 39 graus... assim como, em 1925, o nosso verão mal batia nos 30 graus e o clima médio era de 25 graus. Então, as gerações do século vindouro dirão, na convivência letal de 42 a 45 graus, que nós fomos irresponsáveis e egoístas, que nós não soubemos protege-las, não fizemos nada para mudar o que podia ter sido mudado.

Dia desses peguei nas mãos um livro em que o autor faz um esforço danado para provar que esse negócio de efeito estufa e mudanças climáticas é histeria dos esquerdistas que perderam a bandeira do socialismo e não tem mais causa a defender. O autor é cínico; assim como cínicas tem sido algumas publicações brasileiras, encabrestadas pelo que há de pior no capitalismo ocidental.

Qualquer cidadão de 50 anos é capaz de comprovar que estamos vivendo numa época de terríveis mudanças climáticas. Nós, dessa geração cinquentona, sabemos que em maio e junho podíamos esperar o frio; e quase todo ano havia geada. Em final de maio e começo de junho a colheita de café tinha início sob frio intenso, as saias dos cafeeiros eram tão geladas que chegava a doer os dedos das mãos. Hoje, o frio de maio e junho tornou-se sazonal; quando faz frio nestes meses as pessoas comemoram. Chegamos ao cúmulo de ter frio no mês de novembro...

E vem um cínico, munido de dados estatísticos, tabelas, estudos harvardianos – e até bolivarianos e alckminianos -, para nos entupir com quinhentas e a seiscentas páginas de livro, na vã tentativa de dizer que a Academia Sueca se enganou ao dar um Nobel a Al Gore. Bom, eu, particularmente, penso que Gore fez um bom negócio trocando a presidência dos “Estados Unidos da América”, como eles gostam e enfatizar, por um prêmio Nobel. Enquanto Gore lutava para minorar os problemas do planeta, seu vitorioso adversário lançava bombas sobre Iraque e Afeganistão.

O cronista tem esse privilégio. Ele pode informar, opinar, dizer qualquer coisa e até mesmo dizer nada. Talvez eu não esteja dizendo nada. Talvez o autor não seja tão cínico; quem sabe ele até tenha razão, mas fica difícil acreditar que não há perigos se avizinhando do planeta quando todos estão sofrendo com o calor, com a falta de água e com todas as doenças e as tormentas causadas pela falta de água em abundância.

Ah... você lembra-se de quando discutíamos as ameaças de uma guerra nuclear?

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