sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

RIO PRETO D - SIMONSEN 1

Publicado no Jornal D HOJE em 23/01/15




Simonsen fica logo ali, entre Cosmorama e Votuporanga. Mas para Votuporanga que Cosmorama. Dizem os antigos que antigamente, quando Simonsen chamava-se Santo Antônio da Prata, o vilarejo pertencia a Cosmorama. Não sei se é verdade. Também, isso não importa muito. Importa saber que passei dois anos de minha vida nesta vila e, como cantou Ataulfo Alves sobre sua Miraí: fui feliz e não sabia.

Simonsen tem duas ruas de correm de norte para sul e meia dúzia de ruas transversais que nunca chegam a três quarteirões. Era assim na passagem de novembro de 1968 para junho de 1970. E continua assim. O que mudou, me parece, é o asfalto nas ruas e o cimentado do jardim. Na minha época, as passarelas do jardim eram cobertas de pedriscos negros. Ficávamos com os pés enegrecidos por causa do pó preto que subia pelas canelas.

Naqueles tempos a economia local era movida pela Algodoeira Salto Belo. Meu pai trabalhou lá como saqueiro. Tinha uma estação de trem e os trens paravam para embarcar e desembarcar passageiros. Gostava de ir lá para ver as locomotivas e contar os vagões. A escola ficava – e ainda fica – na entrada da cidade, ao lado da rodovia Euclides da Cunha. Quando Votuporanga disputou o programa “Cidades Contra Cidade”, do Sílvio Santos, nós ficamos na rodovia esperando a caravana vitoriosa regressar de São Paulo. Soltaram fogos, batemos palmas. Votuporanga ganhou. Acho que a disputa foi contra Pindamonhangaba. Acho.

Simonsen é minha lembrança mais nítida de um momento histórico interessante: a chegada do homem à Lua, em 20 de julho de 1969. Meu pai e seus colegas estavam carregando um caminhão de arroz e pararam o serviço para dar uma molhada na goela e ver os astronautas. Meu pai morreu cinco anos mais tarde sem acreditar que o homem andou no solo lunar. Para ele, tudo não passou de um truque de cinema para humilhar a União Soviética. Nunca comunguei dessa ideia, mas, às vezes, sou tentado a dar-lhe razão. 

Foi em Simonsen que perdi o medo de cemitérios. Um bando de meninos de oito a quatorze anos inundava a praça para brincar de salva-pega à noite. Era comum a molecada se esconder entre os túmulos. Só não podia passar da meia noite. O escuro e o silêncio dos sepulcros eram ideais para um bom esconderijo. Todavia, todos nós morríamos de medo de ser o último a deixar o cemitério! Diante disso, nossa passagem por lá era rápida como um foguete.

Simonsen é minha Miraí; minha Rimini, minha Cefalù, minha Pollara... é um ponto final numa enorme folha em branco. Diferente de Cosmorama, diferente de todas as cidades onde vivi. Simonsen era um idílio infantil, um oásis de felicidade num enorme deserto onde imperava a pobreza e a falta de perspectivas.

Ainda estão nas memórias infantis os dribles de Bandola, com suas pernas tortas como as de Garrincha; os cabelos longos do espalhafatoso goleiro Tremendão, as camisas coloridas do diretor Villar Horta, a beleza infantil da filha da professora... é, Simonsen é um devaneio à margem da rodovia e na fimbria das minhas memórias infantis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário