quinta-feira, 7 de abril de 2022

A Cotuba e o vinho

 

Era uma época de muito calor. Meu pai, meus tios e seus amigos boias-frias, pegaram um roçado para destocar, lá pelas bandas do córrego do Moinho (diziam córgo do Munho). Serviço bruto. Uns usavam machado, outros enxadão. Uns carregavam os tocos e formavam as coivaras para depois colocar fogo. O dono era o Jerônimo Borges, um dos filhos do fazendeiro Belisário.

Como eu era moleque, tinha entre treze e catorze anos, fui escalado para servir de bombeiro. Minha obrigação era pegar água fresca numa mina, distante meio quilômetro do roçado, e servir aos peões. Carregava água em duas moringas de barro e servia numa caneca de lata. Às vezes, as duas moringas não davam para atender a todos. Por causa disso, meu trabalho também era estafante, sob o sol inclemente.

Numa das idas e vindas, por volta das três da tarde, parei sob a sombra de um enorme jatobá e me sentei para tomar um fôlego. Encostei-me no tronco, tirei as botinas e mexi os dedos dos pés, suados e cheios de terra. Naquele momento pensei duas coisas: em como seria a vida trabalhando num escritório, com a roupa limpinha, sapatos nos pés e salário fixo no final do mês; e, outra, imaginei uma garrafa de Cotuba geladinha e o líquido, dourado e borbulhante, descendo pela minha garganta... Ah! Que delícia!

Por uns cinco minutos que pareceram uma eternidade fiquei ali, de olhos fechados, sentindo a aragem quente batendo no meu rosto queimado pelo sol, saboreando a Cotuba imaginária e tentando pensar em como aquilo era feito. Nunca poderia imaginar, naquela tarde de 1973, que um dia eu conheceria pessoalmente um dos donos da fábrica que produzia aquele refrigerante tão gostoso.

Na semana passada, Luiz Carlos Mattos me enviou um presente. Na hora, pensei que era uma Cotuba. Não, não era. O que recebi foi um vinho de Pago. Um maravilhoso Las Ochos. O nome é uma reverência (reverência mesmo!) às oito uvas que compõe este vinho singular de Chozas Carrascal, produzido em Requena, na Espanha: Bobal, Monastrell, Garnacha Tinta, Tempranillo, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Syrah e Merlot.

Ao abri-lo, um perfume intenso e elegante encheu o ar. Senti saudade da confraria que o saudoso Paulo Roque fazia no seu escritório, na qual, José Manoel de Aguiar Barros e eu, éramos convidados de honra. Isto é, não precisávamos levar vinhos. Osvaldir de Castro, o pai, era o mestre, explicando todas sutilezas de cada vinho. Os mecenas (os que compravam e lavavam os vinhos) eram o saudoso José Luiz Spotti e os empresários José Carlos Semenzato, Joaquim Ribeiro Mendonça, Osmar Garcia e, às vezes, o doutor Borghetti.

Quanto girei o vinho na taça, oxigenando-o para sentir seus aromas e aspirei seu cheiro, lembrei-me, imediatamente, daquela tarde, sob a sombra do jatobazeiro... Quanto tempo, quanta vida, quanta coisa aconteceu nesta caminhada. Coisas boas e prazerosas, como a primeira vez que degustei um queijo gorgonzola, na casa do radialista Adib Muanis... ou quando provei carneiro à moda árabe na casa de José e Yara Barbar Cury! Ou quando, nas tardes de sábado, tomava sorvete com Vera Buchalla, numa pequena sorveteria da rua XV de Novembro, bem pertinho da esquina com a Saldanha Marinho. Ou quando deglutíamos, meus amigos da Cecap e eu, um rodízio de pizza no K’Douro, na margem da Represa, em uma festa juvenil de massas e refrigerantes. Não sei de que ríamos tanto. A felicidade era muito barata.

A vida é assim, uma caminhada carregada de renembranças, como diria o jornalista José Eduardo Furlanetto, nos dourados anos de 1980.

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