Foi logo depois de a Apolo 11 pousar na Lua — acho
alunissagem um vocábulo pra lá de esquisito, algo assim como “alucinagem...” e
já vamos nos acostumando com amartissagem e daqui uns tempos inventaremos
vocábulos para Vênus, Saturno, Júpiter... — que tomei conhecimento da
existência do samba.
Morávamos em Simonsen, perto do cemitério, em uma casa de
tijolos sem reboco e sem forro, por cujas paredes, à noite, desciam em cascata
milhares de percevejos famintos do nosso sangue infantil. Era a última casa da
vila, para quem saía em direção a Votuporanga, pela estradinha do cemitério.
Não me lembro que noite foi aquela, mas foi logo depois
dos homens chegarem à Lua. Era umas dez da noite, quando bateram na porta de
casa. Meu pai foi atender e lá estavam cinco jovens, dois homens e três
mulheres, com três galinhas, arroz, um garrafão de pinga, um disco de vinil e
uma vitrola portátil. Queriam que minha mãe fizesse uma galinhada.
Claro que pulamos todos da cama. Naquela noite não
seríamos pasto para os percevejos e ainda por cima teríamos comida diferente.
Enquanto minha mãe limpava as galinhas e colocava lenha
no fogão, meu pai e os jovens se reuniram em volta do garrafão e da vitrola
para ouvir as músicas e prosear. Piadas, política, futebol e música. O vinil
era de Martinho da Vila. Aguçou minha atenção uma música que dizia que São
Paulo era a terra da garoa.
Entre uma música e outra surgiu um acalorado debate sobre
o homem na Lua. Meu pai não acreditava. Dizia que era um truque de cinema. Pelo
menos foi que o Dr. Vicente teria comentado com ele. Vicente Aires havia morado
em Cosmorama antes de se mudar Votuporanga. Meu pai fincou pé nesta versão. Era
admirador apaixonado das conversas e ideias daquele médico que, segundo meus
tios, era “comunista de Moscou”.
Apenas um dos jovens concordava com meu pai. Os demais
acreditavam e mantiveram suas opiniões. O outro rapaz, negro de cabelo black
power, questionou com veemência a versão deles e quis saber se Gagarin
realmente havia feito a viagem no espaço. E passou a desfiar nomes como a
cadela Laika. Ah... e Valentina Tereshkova! Ela era de ficção também? E os
macacos? Muitos anos mais tarde tomei conhecimento do Projeto Albert, do programa
espacial dos Estados Unidos. Os macacos Albert I e Albert II.
Na verdade, ali, sob a luz do luar na pequena Simonsen,
naquela distante noite de 1969, eu tomava gosto por duas coisas: uma enorme
curiosidade que me conduziria à leitura e ao jornalismo e um gosto fantástico pelo
samba, que me permitiria conhecer obras maravilhosas de Roberto Ribeiro,
Paulinho da Viola, João Nogueira, Cartola, Nelson Cavaquinho, Bete Carvalho...
e um dia me colocou dentro da Império Serrano, ao lado da presidente Vera Lúcia
Corrêa de Souza, que adotou minha ideia de levar para a Sapucaí, em 2018, um
enredo homenageando a China.
Aquele garoto de nove anos, que tomou conhecimento do
samba na pequenina Simonsen, teve a honra de, 50 anos mais tarde, ver uma ideia
sua convertida num desfile do grupo especial do maior espetáculo da terra com o
enredo “O Império do Samba na Rota da China”. Como diz meu amigo imperiano
Leandro Corrêa: não é pra qualquer um.
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