segunda-feira, 18 de abril de 2022

A Lua, o samba e o carnaval

 


Foi logo depois de a Apolo 11 pousar na Lua — acho alunissagem um vocábulo pra lá de esquisito, algo assim como “alucinagem...” e já vamos nos acostumando com amartissagem e daqui uns tempos inventaremos vocábulos para Vênus, Saturno, Júpiter... — que tomei conhecimento da existência do samba.

Morávamos em Simonsen, perto do cemitério, em uma casa de tijolos sem reboco e sem forro, por cujas paredes, à noite, desciam em cascata milhares de percevejos famintos do nosso sangue infantil. Era a última casa da vila, para quem saía em direção a Votuporanga, pela estradinha do cemitério.

Não me lembro que noite foi aquela, mas foi logo depois dos homens chegarem à Lua. Era umas dez da noite, quando bateram na porta de casa. Meu pai foi atender e lá estavam cinco jovens, dois homens e três mulheres, com três galinhas, arroz, um garrafão de pinga, um disco de vinil e uma vitrola portátil. Queriam que minha mãe fizesse uma galinhada.

Claro que pulamos todos da cama. Naquela noite não seríamos pasto para os percevejos e ainda por cima teríamos comida diferente.

Enquanto minha mãe limpava as galinhas e colocava lenha no fogão, meu pai e os jovens se reuniram em volta do garrafão e da vitrola para ouvir as músicas e prosear. Piadas, política, futebol e música. O vinil era de Martinho da Vila. Aguçou minha atenção uma música que dizia que São Paulo era a terra da garoa.

Entre uma música e outra surgiu um acalorado debate sobre o homem na Lua. Meu pai não acreditava. Dizia que era um truque de cinema. Pelo menos foi que o Dr. Vicente teria comentado com ele. Vicente Aires havia morado em Cosmorama antes de se mudar Votuporanga. Meu pai fincou pé nesta versão. Era admirador apaixonado das conversas e ideias daquele médico que, segundo meus tios, era “comunista de Moscou”.

Apenas um dos jovens concordava com meu pai. Os demais acreditavam e mantiveram suas opiniões. O outro rapaz, negro de cabelo black power, questionou com veemência a versão deles e quis saber se Gagarin realmente havia feito a viagem no espaço. E passou a desfiar nomes como a cadela Laika. Ah... e Valentina Tereshkova! Ela era de ficção também? E os macacos? Muitos anos mais tarde tomei conhecimento do Projeto Albert, do programa espacial dos Estados Unidos. Os macacos Albert I e Albert II.

Na verdade, ali, sob a luz do luar na pequena Simonsen, naquela distante noite de 1969, eu tomava gosto por duas coisas: uma enorme curiosidade que me conduziria à leitura e ao jornalismo e um gosto fantástico pelo samba, que me permitiria conhecer obras maravilhosas de Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, João Nogueira, Cartola, Nelson Cavaquinho, Bete Carvalho... e um dia me colocou dentro da Império Serrano, ao lado da presidente Vera Lúcia Corrêa de Souza, que adotou minha ideia de levar para a Sapucaí, em 2018, um enredo homenageando a China.

Aquele garoto de nove anos, que tomou conhecimento do samba na pequenina Simonsen, teve a honra de, 50 anos mais tarde, ver uma ideia sua convertida num desfile do grupo especial do maior espetáculo da terra com o enredo “O Império do Samba na Rota da China”. Como diz meu amigo imperiano Leandro Corrêa: não é pra qualquer um.

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