Era uma época de muito calor. Meu pai, meus tios e seus amigos
boias-frias, pegaram um roçado para destocar, lá pelas bandas do córrego do
Moinho (diziam córgo do Munho). Serviço bruto. Uns usavam machado, outros
enxadão. Uns carregavam os tocos e formavam as coivaras para depois colocar
fogo. O dono era o Jerônimo Borges, um dos filhos do fazendeiro Belisário.
Como eu era moleque, tinha entre treze e catorze anos,
fui escalado para servir de bombeiro. Minha obrigação era pegar água fresca
numa mina, distante meio quilômetro do roçado, e servir aos peões. Carregava
água em duas moringas de barro e servia numa caneca de lata. Às vezes, as duas
moringas não davam para atender a todos. Por causa disso, meu trabalho também
era estafante, sob o sol inclemente.
Numa das idas e vindas, por volta das três da tarde,
parei sob a sombra de um enorme jatobá e me sentei para tomar um fôlego.
Encostei-me no tronco, tirei as botinas e mexi os dedos dos pés, suados e
cheios de terra. Naquele momento pensei duas coisas: em como seria a vida
trabalhando num escritório, com a roupa limpinha, sapatos nos pés e salário
fixo no final do mês; e, outra, imaginei uma garrafa de Cotuba geladinha e o
líquido, dourado e borbulhante, descendo pela minha garganta... Ah! Que
delícia!
Por uns cinco minutos que pareceram uma eternidade fiquei
ali, de olhos fechados, sentindo a aragem quente batendo no meu rosto queimado
pelo sol, saboreando a Cotuba imaginária e tentando pensar em como aquilo era
feito. Nunca poderia imaginar, naquela tarde de 1973, que um dia eu conheceria
pessoalmente um dos donos da fábrica que produzia aquele refrigerante tão
gostoso.
Na semana passada, Luiz Carlos Mattos me enviou um presente.
Na hora, pensei que era uma Cotuba. Não, não era. O que recebi foi um vinho de
Pago. Um maravilhoso Las Ochos. O nome é uma reverência (reverência mesmo!) às
oito uvas que compõe este vinho singular de Chozas Carrascal, produzido em Requena,
na Espanha: Bobal, Monastrell, Garnacha Tinta, Tempranillo, Cabernet Sauvignon,
Cabernet Franc, Syrah e Merlot.
Ao abri-lo, um perfume intenso e elegante encheu o ar.
Senti saudade da confraria que o saudoso Paulo Roque fazia no seu escritório,
na qual, José Manoel de Aguiar Barros e eu, éramos convidados de honra. Isto é,
não precisávamos levar vinhos. Osvaldir de Castro, o pai, era o mestre, explicando
todas sutilezas de cada vinho. Os mecenas (os que compravam e lavavam os
vinhos) eram o saudoso José Luiz Spotti e os empresários José Carlos Semenzato,
Joaquim Ribeiro Mendonça, Osmar Garcia e, às vezes, o doutor Borghetti.
Quanto girei o vinho na taça, oxigenando-o para sentir
seus aromas e aspirei seu cheiro, lembrei-me, imediatamente, daquela tarde, sob
a sombra do jatobazeiro... Quanto tempo, quanta vida, quanta coisa aconteceu
nesta caminhada. Coisas boas e prazerosas, como a primeira vez que degustei um
queijo gorgonzola, na casa do radialista Adib Muanis... ou quando provei
carneiro à moda árabe na casa de José e Yara Barbar Cury! Ou quando, nas tardes
de sábado, tomava sorvete com Vera Buchalla, numa pequena sorveteria da rua XV
de Novembro, bem pertinho da esquina com a Saldanha Marinho. Ou quando
deglutíamos, meus amigos da Cecap e eu, um rodízio de pizza no K’Douro, na
margem da Represa, em uma festa juvenil de massas e refrigerantes. Não sei de
que ríamos tanto. A felicidade era muito barata.
A vida é assim, uma caminhada carregada de renembranças,
como diria o jornalista José Eduardo Furlanetto, nos dourados anos de 1980.
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