sexta-feira, 2 de março de 2012

CARTA AO DOUTOR



Enquanto as pessoas simples da região lutam para manter a cachoeira do Talhadão, no rio Turvo, e a corredeira de São Roberto, no rio Preto, intactas e protegidas, abrigando rica fauna e exuberante flora, além de meia dúzia de sítios arqueológicos, a Encalso, do megaempresário Anwar Dahma promete não desistir de sua investida para construir usinas de eletricidade que só visam ao lucro de uma única empresa.
Anwar Dahma ainda merece receber mais do que o título de cidadão honorário que lhe foi outorgado pela Câmara Municipal, na segunda metade da década 1990, por iniciativa do vereador Alcides Zanirato. Ele merece uma estátua de bronze de corpo inteiro por ter alterado o espectro arquitetônico da cidade. Seus condomínios fechados atraíram investimentos para a cidade, enriqueceu as construções, reformulou os conceitos de moradia.
Não sei, ainda, se a longo prazo esses novos conceitos de moradia resultarão em qualidade de vida e de paz para seus habitantes. Quem um dia leu “A Máquina do Tempo”, romance tipicamente inglês do finalzinho do século 19, de H. G. Wells, sabe que fim se dá a todos os tipos de segregação, sejam racial ou social. Voltamos à égide do medievalismo: os ricos se encastelam, enquanto a patuléia (leia-se, a maioria de nós), passa a viver do lado de fora dos muros do castelo.
Cria-se dessa forma um mundo ilusório. Muitas vezes, quando os castelos eram atacados, a patuléia que vivia do lado de fora unia-se aos invasores para massacrar aqueles que estavam vivendo folgadamente do lado de dentro. Mas hoje, decorridos mais de um século do lançamento da ficção de Wells, parece que a humanidade mudou um pouco. Você acredita?
Anwar Dahma é um homem inteligente, detentor de um Prêmio Pandiá Calógeras. Não é para qualquer um. Por ser inteligente, criou uma grande empresa e sobre ela construiu um império. É um visionário, dono de uma capacidade invejável na administração e na criatividade. É um homem para quem se precisa tirar o chapéu e fazer reverências.
Entretanto, no caso do Talhadão e de São Roberto, uma nova imagem se alevanta de seu perfil. Surge diante de nós não um Leviatã moderno e soberbo, mas um Fausto caipira em busca de riquezas quanto mais fáceis melhores. Há nesta insana busca por dinheiro a qualquer custo um arquétipo que junta numa única só pessoa Mefisto e Fausto. Não consigo conceber tamanha prepotência e tanta arrogância num homem que construiu coisas maravilhosas como os seus condomínios que, de longe, parecem um paraíso.
Como fazer para que Anwar Dahma recue? O que devemos fazer? Será ele um homem tão insensível aos encantos da natureza? Que espécie de ser humano é o senhor Anwar Dahma que só acredita no poder do dinheiro?
Conheci uma vez a história de um homem que saiu do nada. Era muito inteligente, trabalhador, um verdadeiro empreendedor. Fez fortuna, ficou bilionário. Para tanto, à moda de Fausto, parecia ter vendido a alma para o diabo. Casou-se e teve filhos. Todos os seus filhos nasceram com algum problema genético, mas ele creditava isso às questões meramente carnais. Defeitos de gestação. Ele jamais enxergou que havia ali uma troca: a riqueza a qualquer preço de um lado e a disfunção genética do outro. E assim, quando ele morreu, seu império virou pó. Não havia quem o substituísse e com o tempo também sua biografia virou lixo.
Sobre o Talhadão e São Roberto, eu, na minha insignificância, gostaria de sugerir ao Dr. Anwar Dahma um meio de imortalizar o seu nome e suas obras. Imortalizar pelo bem, não pelo mal. Esqueça suas usinas e proteja esses santuários ecológicos. Seja o patrono e escreva seu nome na nossa história de maneira positiva e meritória. Venha a público e seja exemplo, torne-se o herói que a essa região e este país carecem.
Nós ergueremos para ti uma estátua de bronze e zelaremos para que seu nome não se perca na poeira da história.

Nenhum comentário:

Postar um comentário