sábado, 22 de novembro de 2014

RIO PRETO D - OS BONS TEMPOS DA GUERRA FRIA

Publicado no Jornal D Hoje Interior em 22/11/2014



Parece que foi ontem, mas lá se foram doze anos desde que li, numa estirada, a caminho da cidade goiana de Catalão, o livro “Fax – Mensagem de Um Futuro Próximo”, de Jorge Wilheim. Catastrófico, eu pensava, mais preocupado em voltar logo de Catalão a tempo de pegar um avião para Punta Cana, na República Dominicana. Havia ganhado a viagem num sorteio dentro da redação. Férias e trabalho, aliados na divulgação do novo paraíso caribenho. 

A pressa, como sempre inimiga da perfeição, não me deixou conhecer a primeira ilha de Colombo, a Hispaniola. Fiquei dois dias em Catalão e quando voltei alguém já havia embarcado no meu lugar. Adeus areias finas e brancas do Caribe! Adeus, adeus maravilhas de Punta Cana!

No retorno, entre Araguari e Frutal fiz duas releituras do livro. Suas visões do futuro próximo são inquietantes e, ao mesmo tempo, confortantes. São, porque os livros, quando conservados, são eternos e estão sempre no presente. Duas de suas previsões estarrecem qualquer alma desavisada: o casamento a três e o uso de bactérias coprófagas para despoluir as águas e permitir seu reuso. 

Casar a três é uma utopia tão grande quanto salvar o planeta. Dois homens e uma mulher, duas mulheres e um homem! Ele ficou na seara dos heteros. Não falou em três homens dividindo a mesma casa e a mesma cama. Ou três fêmeas. Wilheim deve ter visto isso como um princípio orgiástico, a queda do sagrado, a profanação final de todos os códigos. Eu não sei se enxergaria isso com mais normalidade.

O livro trata da tecnificação da produção, da exploração abusiva dos nossos recursos naturais e da intolerância humana. O fim da era do automóvel e a antecipação do domínio do crime como poder paralelo. Por que ele usou o fax e não o e-mail? Porque, por incrível que possa parecer, nós não vivíamos ainda a febre do correio eletrônico. Diante disso, estando ele em 1996, não tinha como receber um e-mail vindo de um futuro que parecia tão distante e que não é mais tão-tão distante assim!

Esse advento da androginia é algo que talvez nos assuste. Estamos fadados a voltar à era de Alexandre, o Grande? Voltar a Platão e Sócrates e Aristóteles? Com o fim do emprego e a consequentemente ação paternalista dos governos nacionais (o bolsa família será mundialmente distribuído. Aliás, como é que a classe média está vendo a instituição do bolsa família pelos governos Bush e Zapatero? É de morrer de rir!) sobrará aos povos tempo para o ócio, para o diletantismo e para a filosofia? 

O futuro segundo Wilheim é assustador e ao mesmo tempo dionisíaco, entre temor e tremores, entre formidável e estarrecedor. Uma releitura desse livro instigante nos leva a um cenário de Nostradamus do século 21, porém sem vaticínios iluministas ou calcados na religiosidade dos povos quinhentistas. Volto sempre ao meu sonho dos anos em que as bombas nucleares pairavam sobre nossas cabeças: a de construir uma cabana no meio da floresta, no sopé de uma montanha a poucos metros de um bom regato de águas cristalinas. Eram os velhos e, quem diria!, bons tempos das ameaças mútuas dos senhores da Guerra Fria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário