sábado, 29 de novembro de 2014

RIO PRETO D - CHUVA DA TARDE

Publicado no Jornal D Hoje Interior publicação em 29/11/14




Encontrei o Gureba por acaso na entrada do Mercadão. De bermuda, camiseta polo e tênis; cabelos grisalhos e o sempre sorriso largo de sempre – redundâncias à parte. Tomamos um café preto na Pastelaria Balsarini. Logo caiu a chuva; começou leve e engrossou. Prosear com o Gureba é sempre uma alegria muito grande. Desconheço alguém mais de bem com a vida do que ele. Ou melhor, Marco Antonio Gonzalez, é o nome de registro. Com z mesmo. É descendente espanhol.

A chuva lavou a Silva Jardim, com suas águas rápidas descendo para a avenida Andaló. Enquanto isso, falamos de tudo um pouco. E Cosmorama não podia faltar nesta prosa. É nossa raiz. Falamos dos nossos filhos. Ele tem o maior orgulho dos seus. E eu o maior orgulho da minha. E lembramos nossos amigos em comum. Confidenciou-me sobre um gay que eu sempre achei que era machão. Desde criança eu nutria o maior medo daquele cara. Seu bigode me incomodava. Coisas da vida.

Aliás, a vida é assim. Cada dia a gente vai descobrindo algo novo. Ou algo velho que parecia novo. Já tive vontade de escrever um livro sobre um dia na vida de uma pessoa. Velharia, claro. James Joyce já fez isso em Ulisses. Aliás, me sentia na pele de Stephen Dedalus, quando tinha meus quinze anos e perambulava pelas ruas cosmoramenses. 

Gureba não é um cara qualquer. É um bem-sucedido cirurgião-dentista, formado em Curitiba, onde estudou e foi garçom para custear seus estudos. Um homem de fibra, dono de uma eloquência fascinante. Mas nunca deixou de ser um filho de Cosmorama, para onde voltou após formar-se e onde mantem seu consultório, cobrando de quem pode pagar e ajudando a quem não pode. E as pessoas o amam.

Ele poderia ser prefeito se quisesse. Não há viva alma naquela cidade que não o conheça pessoalmente. Seu sorriso largo e fácil domina os ambientes e ele circula com galhardia entre os idosos, os adultos e os jovens. E faz um sucesso danado com as mulheres. Todos seus contemporâneos invejavam sua capacidade de ganhar as meninas. Estava sempre com uma namorada diferente. Belas mulheres. Um cavalheiro. Digno de uma revista Sétimo Céu.

Se eu fosse escrever um romance sobre um dia da vida de alguém eu escolheria o Gureba como personagem principal. Meu Leopold Bloom e faria Cosmorama comemorar o Bloomsday, em 16 de junho. Tinha que ser a data de um geminiano. Talvez eu identificasse Mary Bloom em alguma moçoila cosmoramense dos anos de 1980. Mas não arrisco um palpite.

Por um momento eu me vi em Dedalus; porem logo me descartei. Não eu. O Laurindo sim. Talvez o Laurindo, filho da dona Natália. Éramos, ele e eu, meio primos. Para mim, Laurindo era um poeta, um artista, alguém que seria capaz de surpreender a todos. E surpreendeu a todos da maneira mais trágica possível, matando-se. Nunca soube onde foi parar aquele sorriso esgarçado que ele tinha.

Dois dedos de prosa ao cair da tarde com chuva forte. Aliás, eu tive uma coluna no jornal Folha Caipira com este nome bem bonito: “dois dedinhos de prosa ao cair da tarde”. Boas lembranças e boas risadas vieram de cambulhada. Quase caí na tentação de emendar a prosa para o boteco quando ele se pôs a falar do quibe labanie que havia comido no Rio de Janeiro dia desses. Logo a chuva passou.

Um comentário:

  1. Muito bom esse texto. Parabéns.. esse é o Gureba, que você descreve com tanta perfeição. Alias, somente quem o conhece sabe o quão generoso e receptivo é esse cara, que não mede esforços pra agradar quem está por perto (e cozinha que é uma beleza)..

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