terça-feira, 30 de dezembro de 2014

RIO PRETO D - AH, IDOSO!

Publicado no Jornal D Hoje em 31/12/14




Na minha terra de infância diz-se que a galinha cacareja para mostrar que botou. Galinha que não põe ovo vai parar na panela. Além de esquisita ela é inteligente. Sabe que no meio do galinheiro é preciso gritar para se fazer notada. O problema é que ao cacarejar muito alto chama a atenção do galo - machão da vez -, que vem pra cima e pimba...!

Idoso é a mesma coisa. Se ficar quietinho no canto vai morrer invisível e de inanição. Por isso que o idoso precisa estar em movimento, tem que fazer algo, tem que cacarejar... ops! – cacarejar não; tem que gritar alto, ser espalhafatoso, usar camisa verde-abacate, amarelo ouro, verde limão, azul cobalto, vermelho carmim, etc... Nem adianta usar aquelas camisas bege, palha, cinza, xadrezinho de azul ou de amarelo. Se for para usar xadrez, use aquele de quadras largas e cores vivas.

Seja visto.

Idoso tímido vira anão de jardim. Anão de jardim é aquela coisa que todo mundo vê, mas ninguém presta atenção e nem sabe para que existe.

A primeira coisa que acontece com o idoso é se tornar invisível. Ninguém o vê; ou finge que não o vê. Para ser visto e notado, o idoso precisa ser rabugento, barulhento, chato e encrenqueiro. “Lá vem aquele velho chato” – esse é notado.

Velho bonzinho é aquele que distribui balinhas pra criança na porta da creche. E mesmo assim corre o risco de ser chamado de pedófilo. Portanto, cuidado. Nada de balinha na frente de escola. Corre-se o risco de virar ‘dona mariquinha’ de cela de cadeia.

Depois de tornar-se invisível, o idoso passa a ser tratado com indiferença. Ninguém lhe dá mais a mínima. Suas opiniões não valem mais nada. É o gagá da família; o zero à esquerda. Tudo o que ele fala é bobagem, mesmo que seja algo sério e verdadeiro. Aos poucos ele vai evitando ficar perto das pessoas, principalmente da sua família.

Se ele derruba alguma coisa, se mancha a camisa com comida, se derrama água na mesa, se tropeça no tapete, se cai no banheiro... é tudo coisa de velho. É a idade, logo dizem. É o DNA vencido. Idoso pena neste mundo hipócrita.

Agora parece que descobriram alguma utilidade para os idosos: pagar contas nos bancos e lotéricas - e fazer compras nos supermercados. Pior mesmo é o tal de empréstimo compulsório para aposentado. Tem muito filho(a) e nora/genro oprimindo os idosos para pegar empréstimo no seu nome!

Não quero ficar idoso. É triste neste país a pessoa ficar idosa, encostada, diáfana como um dia cinzento de inverno.

Uma vez cheguei a pensar em como seria bom viver até os cem anos, com saúde e lucidez. Pensei que talvez isso seria pedir demais. Hoje sei que isso é uma grande besteira. Morrer aos cem anos só é bom para as estatísticas da expectativa de vida. Quero morrer como cachorro velho: num canto solitário, longe de todos.

Penso que o grande segredo da velhice é se fingir de morto. Fingir que não é conosco. Ou como cantou Adoniram Barbosa: “eu também / um dia fui uma brasa / e queimei muita lenha no fogão... (sic) ...e eu que já fui uma brasa / se assoprarem posso acender de novo...”

Nenhum comentário:

Postar um comentário