segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

RIO PRETO D - UMA MÚSICA DE MERCEDES SOSA

Publicado no Jornal D Hoje em 30/12/14



Assim, sem mais nem menos, e nem sei porque, de repente senti vontade de ouvir Mercedes Sosa. Talvez por necessidade de dar graças à vida, de dar graças por ter saúde, uma casa pra morar, uma família, amigos, trabalho e, principalmente, repito, saúde. Estrela do movimento musical Nueva Cancion, Sosa permeou os sonhos revolucionários da nossa geração espremida entre o golpe militar e a abertura política. Sem idade para nada, minha geração pode apenas curtir as músicas de protesto. Apenas isso. O resto é balela.

Mercedes Sosa cantava Gracias a La Vida, de Violeta Parro. Essa música tornou-se uma espécie de hino latino-americano. Eu, particularmente, gosto muito de “Solo le Pido a Dios”, canção de Leon Gieco, que ela gravou com a sambista Beth Carvalho. Cada uma com seu vozeirão cantando em seu idioma. Solo le pido a Dios / Que el dolor no me sea indiferente / Que la reseca muerte no me encuentre / Vacía y sola sin haber hecho lo suficiente.

Lembrar Mercedes Sosa me fez viajar no tempo e voltar às escadarias da Igreja da Matriz de Cosmorama, onde, nos anos de 1970, sentávamos nos seus degraus, nas noites quentes de verão, para prosear e “conversar sobre isso e aquilo / coisas que nóis não entende nada”, como canta Adoniran Barbosa em Torresmo à Milanesa.

Apesar de falarmos sobre ditadura, de xingarmos os militares em nossos arroubos de heroísmo esquerdista, não tínhamos, na verdade, nenhuma noção do que estávamos verdadeiramente vivendo. Ali, na escadaria da Igreja, estávamos em paz, abrigados pela paz em plenitude que a cidade vivia.

Podíamos nos dar o luxo de nos esparramarmos em cinco, seis, às vezes oito adolescentes, para sonharmos com utópicas revoluções onde, quem sabe, seríamos um reluzente Fidel Castro. Nesta época, a esquerda sul-americana ainda não havia criado a mais vitoriosa marca de marketing da “revolución”: a cara bonita de “Che” Guevara, de boina e barba a Jesus Cristo. Nossos heróis eram outros. Sandino, por exemplo, o ícone da revolução da Nicarágua.

Cosmorama foi berço do comunismo regional. Nos anos da perseguição getulista, vários comunistas refugiaram-se na pequena cidade de onde se descortinam os mais belos horizontes, segundo o poeta Sebastião de Almeida. O médico carioca Adão Pereira Nunes, alta figura do comando comunista no Brasil, por exemplo, morou em Cosmorama. Dizem que sua filha teria sido amante de “Che” Guevara. O Doutor Nunes, como era conhecido, construiu um hospital que funciona até hoje. Este hospital foi do médico Ivani Togni por muitos anos.

Nos fundos do hospital tinha um pé de jambo-vermelho, plantado pelo próprio Nunes. O jambo vermelho era a árvore símbolo da União Soviética, me disseram uma vez. Diz-me o professor Google, que o jambo-vermelho é uma árvore originária da Ásia; mais precisamente da Malásia. É da mesma família das nossas jabuticaba, pitanga e goiaba. Como saiu da Malásia e se deu bem no Brasil, é possível que o jambo-vermelho também tenha se adaptado na Rússia. Por que não?

Tenho saudade - talvez nostalgia seja a palavra mais apropriada - daqueles tempos inocentes e simples das noites quentes cosmoramenses e dos nossos proseios descompromissados, como se soubéssemos tudo sobre política, chegando às lágrimas quando ouvíamos Mercedes Sosa ou Raíces de América...

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