quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

RIO PRETO D - CARTA SOBRE O NATAL

Publicado no jornal D Hoje em 18/12/14



Carta enviada por uma amiga, com autorização de publicação, desde que preservada a autora:

“Acho que hoje magoei um amigo. Há tempos não fazia isso, não de não magoar amigos e, sim, de me preocupar com isso. Na verdade nunca tive amigos pelo menos não que eu soubesse. Me vi forçada a pensar nisso, pensar em coisas importantes para as pessoas que me rodeiam. Interessante que elas gostam de coisas com as quais não me importo desde meus sete anos de idade, como é o caso, por exemplo, do Natal. 

As pessoas que me rodeiam e com as quais me importo gostam muito dos rituais Natalinos e de tudo o que se refere à época; elas gostam de enfeitar árvores, escolher, comprar e ganhar presentes, gostam de cuidar do cardápio típico da festa, enfim. Cuidam atentamente do protocolo comercial da coisa ano após ano, apesar de discutirmos todos os anos pelas mesmas razões estúpidas. Meus argumentos não mudaram e não os convenceram assim como os deles também nem uma coisa nem outra. 

Continuo achando que passamos o ano inteiro cuidando dos interesses uns dos outros, nos abrigando, nos tolerando, fazendo pequenos ou grandes favores, nos elogiando ou criticando, dando uma carona, pegando uma carona, sendo solidários em alguma crise e recebendo solidariedade. De repente é o tal do tempo de solidariedade, de espírito Natalino, de caridade, amor ao próximo, paciência, tolerância, amizade, fraternidade, celebração, comunhão, união. Eu me pergunto o que é que fizemos o ano todo uns pelos outros que não isso? Não é possível que eu precise jogar tudo fora, esquecer todas as conversas, todas as comemorações improvisadas e todas as angústias divididas apenas porque não era Natal, então não valeu. O que vale é agora é daqui até o bendito dia da tal da passagem. Passagem secreta para o coração dos meus amigos, aqueles que eu não sabia que tinha. A entrada para o coração deles é ajudar a montar e decorar a árvore, que nem sei se nasce aqui no Brasil e quando nasce, morre. Alguém já conseguiu manter um pinheirinho vivo além das festas de fim de ano? Pois eu já matei alguns tentando mantê-los vivos, nos quase 40 graus Celsius nesta cidade. 

Agora brigamos. Tivemos uma discussão absurda sobre ter ou não ter filhos, casar, não casar, separar, divorciar, trair, sair de casa, enterrar ou cremar os avós, desculpar-se ou esperar o outro pedir desculpas, transar no primeiro encontro ou no segundo ou em qual encontro, enfim, agora brigamos feio. Mandei encher o saco de outro desocupado que não eu com essas coisas de enfeites Natalinos, luzes, pisca-pisca, peru, leitoa e o escambau. A pessoa ficou quieta, baixou o tom de voz quando se despediu, pegou a bolsa e foi embora. Vinte anos atrás essa cena rolou e se repete todos os anos nesta mesma época. Cada ano é um protagonista diferente, mas, o tema é sempre o mesmo e o desfecho idem. A repetição é minha. Eu brigo com as pessoas por causa dessa minha loucura, por causa desse meu sintoma desgraçado de não gostar de Natal, de não gostar de jogar conversa fora, de não falar nada que não seja sério demais, importante demais, fundamental demais, profundo demais, verdadeiro demais. 

Rubem Alves, em um de seus contos no maravilhoso Retorno E Terno, declarou ter optado por uma mentira bondosa ao invés de uma verdade cruel. Vale a pena ler o livro todo, mas, agora quero evocar em minha defesa que, ao contrário do autor eu preferi as verdades cruéis; optei por elas todas as vezes em que fui interpelada. Acho que precisaria lamentar alguma coisa agora, mas, honestamente, nada me ocorre...”

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