sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

RIO PRETO D - SIMONSEN 2

Publicado no Jornal D Hoje em 24/01/15


O diretor Vilar Horta trouxe umas telas brancas e tintas guache para os alunos. Estávamos no segundo ano escolar. Eu vinha de uma repetência em Cosmorama. Era o ano de 1969. Minha professora chamava-se Fádua. Era uma mulher loira, magra, que morava em Mirassol. Todos os dias, de manhã, ela descia do ônibus do Expresso Itamarati, que fazia ponto na sorveteria do Claudio, na esquina da rua da Igreja.

No primeiro semestre daquele ano, nós morávamos no sítio do Abilinho Machado, a uns três quilômetros da vila. Eu ia a pé para a escola. Tinha dois caminhos. Ou pelos trilhos da estrada de ferro – que era o mais longo – ou pela estrada de terra que saia bem na frente da máquina de arroz do Sr. Antonio e na porteira do sítio do pai do Zé da Hora.

Eu tinha medo da estrada de ferro. Diziam os mais velhos que o vento do trem em velocidade “chupava a gente para debaixo das rodas”. Eu morria de medo de ser chupado pelo trem e morrer agonizante e solitário nos trilhos de ferro. Preferia a poeira do estradão de terra.

Gostava particularmente de uma grande árvore no meio do caminho. Era uma árvore frondosa, de tronco grosso e galhadas longas. Ela tinha uma sombra maravilhosa. Era um tamburi, segundo o tio Paulo. Gostava de descansar com as costas no seu tronco, enquanto observava o vai-e-vem dos pássaros, das formigas e do gado na pastagem. Lamentava não ter ali uma mina de água bem geladinha...

Uma vez, estava eu sentado na sombra do tamburi quando um touro resolver cobrir uma vaca. Ele tinha uma protuberância saliente e arredondada na ponta do pênis. O touro penetrou a vaca num único e rápido golpe e quando saiu a vaca caiu, e ali ficou, por vários minutos, como que atordoada, enquanto o macho saiu andando devagar, com seus passos cadenciados, pelo pasto. Difícil esquecer uma cena dessas.

Naquele dia, quando as telas chegaram, eu pintei o boi sobre a vaca, como havia visto no pasto. Fui imediatamente colocado de castigo pela professora substituta (estava no lugar da dona Fádua). Irritada, ela pegou meu quadro e levou ao diretor. Minutos depois o diretor, Vilar Horta, apontava o quadro perguntando: você desenhou isso? De pernas trêmulas e o terror estampado na cara, acenei afirmativamente com a cabeça. Pensei comigo: vou ser expulso da escola; meu pai vai me arrancar o couro desta vez.

Acho que o nome correto dele era Vilar Dantas de Vila Horta. Nome de intelectual. O pai dele se chamava Francisco Vilar Horta. Ele usava um bigodão grisalho e acho que tinha olhos claros. Ele olhou para mim e para o quadro; olhou para o quadro e para mim. De repente soltou uma estrondosa gargalhada e mandou de volta para a sala de aula.

No dia seguinte, ele foi para a escola com uma perua Kombi. No meio da aula mandou me chamar na classe. E fomos juntos de Kombi para Votuporanga. Ele, o meu amigo Vanderlei e eu. Na cidade grande, ele comprou roupas para nós. Camisas brancas e calças azuis. Roupas de uniforme.

Hoje, decorrido o tempo, é que sei que o Vanderlei e eu éramos os dois alunos mais pobres da escola. O diretor nos deu as roupas e disse que era um presente pelo meu talento como pintor...

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