quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

RIO PRETO D - JOÃO ALBANO

publicado no Jornal D HOJE em 29/01/15

Fernando Marques entrevista os jornalistas Walter do Valle e João Albano (de bermuda)



Era fevereiro de 1983, dia 23, por volta das 15 horas, quando coloquei os pés pela primeira vez na Folha de Rio Preto. Ficava na Coronel Spínola, entre Independência e Saldanha Marinho. Fui recebido no balcão, em pé, por um homem jovem, magro, alto, bem vestido, de camisa branca, que logo se tornaria meu amigo. José Eduardo Furlanetto. Entrevistou-me para uma vaga de revisor no jornal.

Eu tinha QI e o meu era forte. Havia sido indicado pela mulher do ex-dono do jornal, Yara Trabulsi Cury, mulher de José Barbar Cury. Não era um QI qualquer. Ela havia falado diretamente com Alberto Cecconi. Mas passei pela entrevista. E fui aprovado sem muitas delongas e apenas duas perguntas. Furlanetto me mediu por alguns instantes; perguntou que livro era aquele que eu estava carregando debaixo do braço. Hemingway. As Ilhas da Corrente. Mostrei a capa. Então fez a segunda pergunta: “Já leu O Velho e o Mar”. Sim, respondi, li todos os livros de Hemingway disponíveis em português. E ele disse: “pode começar hoje, às 19 horas.”

Comecei. Amei aquele trabalho, aquele cheiro de tinta, aquele barulho de máquinas. Impressora, linotipo, máquinas de escrever, telefones tocando e muita conversa. Eu queria escrever. Mas como escrever sendo o revisor? Então descobri que havia um espaço para cartas de leitor, mas não havia leitores escrevendo para o jornal. Resolvi tentar.

Escrevi a primeira carta com um pseudônimo. A segunda com outro. A terceira com meu próprio nome. A quarta com o pseudônimo da primeira. Até que o editor-chefe estranhou aquela avalanche de cartas... Pressionado, o chefe da oficina, José Antonio Caldeira, “me delatou”. Fui chamado à sala do editor na manhã seguinte.

Tremendo de medo de ser demitido com apenas uma semana de trabalho, fui me encontrar com o editor, que eu não conhecia pessoalmente. Era um homem de barba amarelada, com cabelos abundantes, bigode acastanhado pela nicotina dos cigarros que ele fumava um atrás do outro, usando uma piteira. Questionou-me sobre as cartas e me convidou para ajuda-lo na redação pela manhã “cozinhando umas matérias”. Eu nem sabia o que significa cozinhar, mas lembro-me do primeiro relise que ele me passou para ser cozinhado: era da CPFL, sobre falta de água em bairros.

Quando a Páscoa chegou, ele me escalou para fazer uma reportagem sobre a festa nas favelas de Rio Preto. Gogó do Sapo, por exemplo. Foi quando conheci o fotógrafo Edson Baffi. Fomos juntos às favelas. Entrevistei as pessoas e escrevi minha primeira reportagem. Duas páginas inteiras de jornal, com direito a fotografias. Então eu soube que havia encontrado o meu caminho.

O editor, muito parecido com Ernest Hemingway, é João Albano. Escreve tão bem quanto, mas dedicou-se ao jornalismo ao invés de investir na literatura. Albano seria um senhor escritor, com humor ácido e sua prosa curta, seca e precisa. Por causa dele aprendi a gostar de ler e escrever crônicas. Claro que me falta a sua competência e sua habilidade de lidar com as palavras, com as letras, com a arrumação das frases. A primeira crônica de sua autoria que eu li foi sobre Buñuel. Eu fiz a revisão e nunca mais a esqueci.

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