quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

RIO PRETO D - CONVERSA INFORMAL

Publicano no JORNAL D HOJE em 28/01/15




Uma conversa informal com a escritora Santa Catarina virou um passeio pelos currais e roças de antigamente, diante de uma seleta plateia de jovens na faixa de vinte anos. Nem sei como o assunto surgiu. Acho que foi por causa do casamento. Dos casamentos antigos, quando as pessoas juravam amor eterno até que a morte as separasse. 

Graças a Deus não é mais assim. Por dois mil anos as mulheres foram agrilhoadas nesta falsa garantia de amor e de cuidados eternos enquanto vivas. Na verdade, as mulheres tornavam-se escravas, numa submissão humilhante, vítimas da violência causada pelo pátrio poder de maridos ignorantes. Era raríssimo o caso em que o príncipe encantado não se transformava em sapo. E sapo bem asqueroso.

Mulher apanhava em casa, num silêncio chocante. Seus gemidos e dores eram engolidos entre socos e pontapés. O homem, no alto de sua autoridade, tinha o poder de exercer sua violência contra sua esposa que, em público, devia ser austera, sisuda e de comportamento santificado. 

Ao homem cabia toda a liberdade do mundo. Ele podia ser infiel, frequentar a zona do meretrício, os bailes e os botequins, os clubes de jogatina. Se a mulher o “traísse” ou fosse infiel, ele a matava e saia livre dos tribunais com advogados sabujos livrando sua cara sob o argumento machista da defesa da honra.

Somente o homem tinha honra. Somente ele tinha o seu pundonor arranhando pela traição. A mulher não tinha honra, era destituída de dignidade, de orgulho e de vontade. Seu marido podia ir aos bordeis enquanto ela era sexualmente colocada num pedestal de santa, de onde era apeada para o ato sexo sem prazer e para apanhar de vez em quanto.

Ah, o leitor acha que estou exagerando no quadro! Pergunte para sua avó como foi a vida dela. Hoje ela vai te contar, porque nestes tempos ela tem liberdade para isso. Quando jovem, sua sina era ficar calada num canto enquanto os homens mandavam e desmandavam.

Pergunte para o seu avô como era nos seus tempos de solteiro e ele certamente vai olhar e dizer, com um saudosismo cínico na voz: “não se fazem mais mulheres como antigamente”. Chocada, cara leitora? Faça o teste. Não caiam na armadilha do comentário obtuso de que “bom mesmo era o tempo das nossas avós”. É mentira.

Bom mesmo são os tempos atuais em que a mulher pode mandar seu marido agressor para a cadeia. Bom mesmo são os nossos tempos em que a mulher pode ser mãe solteira sem o carimbo de puta escrito na sua testa; em que pode ser divorciada sem ser afastada do convívio social; em que pode inclusive se casar com quem ela escolher...

Daqui uns dias elas poderão escolher se querem ou não o filho que carregaram na barriga. Quem sabe um dia os homens aprendam com as mulheres que a vida pode ser mais leve e que o amor não é eterno; ou, como cantou Vinicius e Moraes, é eterno enquanto dure. O amor não é moeda de troca, assim como o casamento não é sinônimo de escravidão.

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