sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

RIO PRETO D - BABEL SERTANEJA

Publicado no Jornal D Hoje em 03/01/14




Começamos o ano 15.

De cem em cem anos. Uma vez por século. Este ano, no século 20, rendeu para Rachel de Queiróz um romance memorável e imortal. Parece que faz tanto tempo! E faz.

Viver cem anos é privilégio. Esse é o grande desiderato da História: viver aos milênios. Talvez fosse esse o grande segredo dos deuses: a cobiçada imortalidade.

Há cem anos, nossa cidade era uma corrutela no meio de um imenso território que estava prenhe de cidades. Bastou um século para este território gestar e gerar mais de uma centena de novas cidades. Enquanto a cidade-mãe - a alma-mater -  crescia em opulência, espalhando casas e prédios para conquistar um título que não grudou: “a cidade dos arranha-céus”. Era um sonho do prefeito Lotf João Bassitt.

Neste ano, 1915, um italiano nascido em Campobasso, com todas as manhas dos brasileiros, assumiu a Prefeitura e nela ficou por dois anos. Era o cartorário Leo Lerro, dono de uma patente de Major da Guarda Nacional. Há cem anos, mesmo dentro da República, o governo vendia patentes para os coronéis do sertão, formando verdadeiros corpos de oficiais do Exército. A Guarda Nacional era um exército de reserva composto só tinha oficiais... nunca soldados. O major Leo Lerro era um desses oficiais sem soldados. Assim como o coronel Spínola de Castro.

Leo Lerro fez o bom governo para a época. Rio Preto era um polo comercial que crescia a olhos vistos, beneficiado pela linha do trem, cujas obras estavam paralisadas na cidade havia três anos.

Carros de bois, carroças e charretes, cavalos e cavaleiros, ruas empoeiradas, armazéns de secos e molhados, advogados e agrimensores, arruaceiros e putas disputavam cada metro da metrópole do sertão. Criminosos desfilavam pelas ruas como nos filmes de faroeste, nos bangue-bangues italianos. Imigrantes gastavam sua língua com um povo que ‘malemá’ falava sua própria língua. Árabes, italianos, portugueses, negros e escravos libertos e os caboclos massacravam o vernáculo vociferando na Babel sertaneja, abençoada por São José.

A cidade viu e sentiu a mão do progresso. Florestas arrancadas a golpe de foice e machado, a mata dando lugar às lavouras douradas dos arrozais, mares verdejantes de café cedendo espaço para o dourado dos laranjais e agora novamente a onda verde dos canaviais... em alguns pontos, destacaram-se o verde e branco das pastagens e dos nelores.

Estradas que terra vermelha e roxa que serpenteavam o sertão foram aos poucos dominadas pelo negro do asfalto; espaços vazios ocupados vorazmente por velozes construções; postes e fiações, torres de ferro e cabos elétricos, encanamentos, represa e açudes, fumaça de carros e raras fábricas...

Coisas novas chegando e outras desaparecendo. Lembram-se das serrarias? Da eletricidade por motor a vapor e depois a diesel? Padeiros com seus carrinhos a pé ou a cavalo buzinando nas ruas para chamar a freguesia? Garrafas de leite nas portas das casas pela manhã? A Cavalaria trotando à noite fazendo notar a presença do Estado? Os bailes de antanho; as quermesses; o corso, o carnaval com bisnagas de água, lança-perfume, confetes... as grandes bandas de música, as furiosas, o enterro (féretro) pelas ruas com o comércio baixando suas portas em sinal de respeito!

Foram só cem anos... mas parece muito tempo.

Um comentário:

  1. Muito bom, Lelé! Não sou Rio-pretense e apreciei muito esta retrospectiva. Forte abraço. Sylvinha.

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