segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

RIO PRETO D - SIMONSEN 4

 Publicado no JORNAL D HOJE em 26/01/15



Minha avó e meus tios se mudaram para Simonsen em 1968. Eles alugaram uma casa pequena de esquina, bem na frente da subprefeitura e a meio quarteirão do campo de futebol. Nos fundos havia um grande quintal com plantio de café (uns 50 pés). Minha avó tinha um cachorro pequinês que se tornou meu companheiro de aventuras.

Tio Oscar, o caçula dos irmãos, namorava um moça chamada Verônica, que morava ao lado, mas logo terminaram. Acho que eu gostava mais dela do que ele. Apreciava imaginar que ela poderia ser minha tia. Até hoje procuro na memória qual o motivo me fez gostar tanto dela, apesar da moça morena que usava vestidos bonitos e rodados e cantarolava o dia todo “Ciúmes de Você”, sucesso de Roberto Carlos. Eu era apaixonado pela morena.

As casas de Simonsen eram simples, os quintais grandes. A maioria das casas tinha plantações ornamentais na entrada. Os pés de pinha, amoras e romãs eram abundantes. Eu tinha uma predileção especial pelos crótons. Talvez porque minha avó cultivava umas quatro ou cinco espécies diferentes de crótons. Assim como uma grande alamanda de flores amarelas na porta da cozinha e uma enorme primavera de flores vermelho-vivo, no portão de entrada.

Foi nesta época que aprendi a usar estilingue. Fiz o meu próprio estilingue com forquilha de goiabeira, duas tiras de câmara de ar de bicicleta e um pedaço de couro. Fiz tudo certinho, com um capricho nada digno de um moleque geminiano e agitado como eu era. Acertei, com o canivete, as bordas da forquilha, amarrei as tiras de borracha com linha grossa de pesca. Minha arma de caça ficou um primor.

À tarde, saí para a caça. O quintal era a área delimitada pela minha avó. Atirei umas duas dúzias de pequenas pedras, até que num momento acertei um pardal em pleno voo. A ave caiu a pequena distância. Incrível, simplesmente eu havia arrancado a cabeça da ave com a pedrada. De repente, na minha cabeça de criança, veio a imagem de um ninho com filhotes de passarinho à espera da mamãe ou papai pássaro. Cai num choro convulsivo que minha avó teve dificuldade para controlar; depois tive febre e dormi o restante da tarde e a noite toda. No dia seguinte, enterrei o estilingue e pedi para voltar para a casa dos meus pais, em Cosmorama. Havia perdido a graça com Simonsen.

Seis meses depois estávamos todos morando em Simonsen, numa casa pequena e apertada. Nos fundos morava o Peito-de-Pomba, um homem que tinha um defeito nas pernas, que fazia com que ele andasse com o peito estufado para frente. Por isso o seu apelido. Outra família tinha um homem doente. Sofria de úlcera e ouvíamos, muitas vezes, seu lamento e gritos de dor. Gritos lancinantes. Meus irmãos e eu tínhamos pavor dele; medo de pegar a doença. Por causa disso não brincávamos com seus filhos. Moramos pouco tempo ali, uns dois meses. Depois fomos morar numa grande casa de pau-a-pique. A casa era do Piau, amigo do meu pai. Esta casa tinha um enorme quintal só para nós.

Éramos muito livres e penso que desfrutamos muito bem este tempo de liberdade.

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