domingo, 8 de fevereiro de 2015

RIO PRETO D - DESASSOSSEGADO

Publicado no JORNAL D HOJE em 07/02/2015




Desassossego. Fernando Pessoa fez um livro com este nome. Porque livro é feito. Sossego é uma conquista. Algo assim como passar uma tarde em Itapoã pelos olhos incansáveis do poeta Vinicius ou pelo olhar sutil e vigilante de Caymmi. Sossego pode ser a contemplação dos telhados vermelhos de Cosmorama, inundados pela claridade do sol da manhã, sentado numa cadeira de vime sob a sombra das jabuticabeiras do quintal do Antonio Facetto...

Ouço com desassossego Olivia Hime. Procuro na mente o assunto que desenvolvi ontem para a crônica de hoje e que foi desativado da mente pelo acúmulo de afazeres do dia. O ofício de escrever exige anotações, canetas, lápis, papéis, paredes alvas, giz e carvão. Algo para anotar como fizeram nossos ancestrais no sítio do Bisnau e na Serra da Capivara. Qualquer coisa serve quando se quer legar histórias, poemas, pensamentos, escritos.

Noel Rosa compunha seus sambas em guardanapos de papel sobre mesas de botecos. Jesus Cristo escrevia na areia. Ernest Hemingway escrevia com lápis e em pé. Os sumérios anotavam coisas em tabuinhas de barro. Depois, os judeus, os chamados “homens do livro”, preferiam escrever em pergaminhos, pele de carneiro. Os antigos egípcios, aqueles que construíram pirâmides, tinham predileção para grandes monólitos de pedra para deixar suas mensagens. Hollywood o faz em películas.

Um padre brasileiro inventou uma geringonça de escrever, feita com madeira de jacarandá. Como ele era apenas um paraibano e não um europeu ou norte-americano caiu no esquecimento geral. Francisco João de Azevedo. Chegou a ganhar medalha de ouro por causa do invento. Criou também o elipsígrafo – nem me perguntem o que é isso. Deve ser algo que faça elipses. O que o padre tinha de inteligência inventiva tinha de ingenuidade comercial. Seu projeto transpôs as Américas e caiu nas mãos de Christopher Latham Sholes. Nenhuma novidade nisso. Os norte-americanos (que nasceram nos Estados Unidos da América) estão agora nos roubando a história de Alberto Santos Dumont. Os caras não tem vergonha.

Desassossego é algo que marca a alma das pessoas. Talvez, por causa da falta de sossego, essa chama niilista que esquenta a alma e faz a cabeça ferver, é que o mundo evolui. Nilton Stachissini, advogado em São Paulo, fez uma vez um discurso num boteco sobre a importância dos transgressores. Segundo ele, são os transgressores que movem o mundo, que provocam as leis, que formulam os pecados e invocam os perdões. 

Bezerra da Silva fez até uma música lembrando que sem o crime não teria polícia, nem delegado, muito menos advogados, juízes, promotores, desembargadores, cortes e fóruns... Isto é, toda a empáfia dos togados é oriunda da coragem dos criminosos que ao agirem e serem pegos caem nas malhas da justiça (com jota minúsculo, por que aquela quem vem com o jota maiúsculo só serve para quem não tem dinheiro para se defender).

E continua esse desassossego entranhado na minha alma, como que um resto de chiclete amalgamado na sola do sapato. Talvez seja o dia de hoje, que amanheceu nublado. Valdo Garcia flagrou a neblina na estrada, em Tanabi... (6 de fevereiro de 2015)

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