Primeiro foi o mau hálito. A mulher começou a reclamar do cheiro de zinabre na sua boca. Zinabre? Que diabos é isso? Perguntou-se, todo maravilhado. Alguém finalmente encontrara alguma coisa nele além da completa inutilidade que ele exercia com grande galhardia e, porque não, fidalguia. Descobriu, lendo no dicionário, que zinabre era na verdade azinhavre. Gostou do novo nome do cheiro.
Dias depois, seu cheiro havia piorado, segundo a mulher. Não era mais zinabre ou azinhavre... porque isso é cheiro que vem de latão ou de cobre. Agora era fedor. Um fedor de carne apodrecida, dente podre, coisa estragada. Ele até sentiu ânsia quando ela lhe disse isso. Carne apodrecida fede de longe. Ainda mais ele, que tinha nojo de cheiros fortes. Catinga de bicho morto deixava sua pele arrepiada.
Então lembrou de Max Gehringer. Uma vez Gehringer estava no Fantástico e mostrou como fazer para saber se você está ou não com mau hálito. Gehringer arregaçou a manga da camisa, passou sua língua no antebraço e depois esfregou dois dedos onde havia deixado saliva. Esfregou por um minuto mais ou menos. Depois cheirou o local e disse aos telespectadores: o cheiro que você sentir é o que você está exalando de sua boca. Como ele não fez cara feia, certamente estava com bom hálito. Repetiu o gesto de Gehringer, cheirou, cheirou, cheirou seu antebraço e nada de sentir cheiro de carne podre.
Então, pensou que era uma vingança dela de quando ele reclamava que a sua boca estava com cheiro de cinzeiro. Ela fumava, ele não. Agora ela estava dando o troco. Então ele se apercebeu que há meses eles não mais se beijavam na boca. Como é que ele não percebera isso antes? Agora, toda vez que ele chegava para beijá-la ela lhe de dava um dos lados do rosto ou então abaixava a cabeça, para o beijo da testa.
Ele era assim mesmo, demorava para cair a ficha. Primeiramente, achou que ela tinha outro homem. Fez suas contas de horas, de dinheiro, de percursos, dos afazeres domésticos e concluiu que não. Chamou a dita-cuja para uma prosa. Ela fez cara de paisagem; cara de gato manhoso. Acha! Paramos de nos beijar? Não havia percebido. Ainda me ama? Claro que te amo, amor.
Amor? Quanto tempo fazia que ele não ouvia essa palavra mágica. Quase se derreteu ali mesmo. Palavra forte, amor. Mas ela manteve sua constatação: você continua fedendo carne podre. Carniça, na verdade.
Procurou um especialista em halitose. Fez todos os testes, com boca sem escovar, com dentes escovados. Tudo o que o especialista pediu foi feito. Ele tinha sim uma pequena tendência a desenvolver um hálito provocado por um tipo de bactéria que exalava um odor cadaverino. Se tratado com tempo não era nada grave. Boca cadaverina? Ele quase teve um troço. Era uma amina formada por fermentações bacterianas intestinais. Fez todos os tratamentos.
Mas, de repente, ele sentiu que fedia. Tudo nele rescendia o odor cadaverino. A estranha sensação de fedor crescia dia a dia. Nem perfume francês resolvia; nem bala de menta. Nada tirava dele aquele cheiro estúpido. Era um cadáver ambulante, faltava apenas morrer. De verdade. (Aeroporto de Congonhas, SP. – 31 de janeiro de 2015)
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