quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

RIO PRETO D - DRIBLE NA SINA

Publicano no Jornal D HOJE em 19/02/15



Terça de Carnaval. Um silêncio absurdo inunda o cruzamento das ruas Voluntários de São Paulo e Silva Jardim. De vez em quando, um carro ou uma moto quebra esse silêncio. No notebook ouço Zeca Baleiro. Minha agenda permanece fechada desde sexta-feira (agora, sexta de Carnaval). Uma manhã de silêncios. Os telefones não tocam, nem as mensagens chegam. WhatsApp estagnou-se no último recado de ontem.

Uma viagem mental me leva ao primeiro carnaval da minha vida, bem diferente daquele cantado por Adoniram Barbosa. Não foi uma Vila Esperança, mas foi uma máquina de beneficiar arroz; não foi um carnaval adolescente, mas infantil. Nem sei quantos anos eu tinha. Talvez uns cinco, ou seis. Não mais que isso. Mas como é perfeita minha lembrança desse primeiro carnaval... na máquina dos Fébolis. 

Mais tarde, na adolescência, curtimos os carnavais do Grêmio Recreativo, Cultural e Literário de Cosmorama. Nunca entendi o que significa esse “literário” do clube, mas seus carnavais eram maravilhosos, com bandas interessantes, com belas marchinhas e muita dança pelo salão. Alguns foliões formavam blocos e outros usavam belas fantasias. E havia as brigas. Triscava e lá vinha uma briga que a polícia prontamente intervinha. Como todo mundo se conhecia, ficava fácil para os policiais identificarem os briguentos.

Eu era um dos encrenqueiros, o que fazia o saudoso Pica-Pau (Alcides Tonin) não tirar os olhos da minha humilde pessoa. E foi numa dessas que, fazendo o giro do salão com bela morena Marlene Buzzo, moça de grandes olhos esverdeados e sorriso fácil e largo, que acabei me metendo numa encrenca que não era minha. Foi um Deus nos acuda; sobraram socos e pontapés para todos os lados. Como diz meu amigo José Eduardo Furlanetto: “todo baixinho é invocado”. Eu era invocado e bom de briga. 

Era bom de briga até o dia em que quase morri esfaqueado na Praça da Matriz. Essa façanha de continuar vivo eu devo ao Tecão - Aparecido Tecos da Silva, filho do seo André, lá do Cotovelo. O Tecão chutou o braço do meu agressor quando a faca já descia no meu peito. Por um triz meu corpo não ficou estirado no meio da rua num noite de sábado, como na música de João Bosco... 

Foi uma briga boba que começou em volta de uma mesa de bilhar. O agressor agrediu meu amigo Gilmar Rosa e eu reagi. Foi uma reação intuitiva e imediata. Ninguém podia por a mão nos meus amigos. A tentativa de assassinato contra a minha pessoa me levou a tomar outro rumo na vida. Conclui que meus tempos de brigas haviam se encerrado; era hora de me tornar um pacato cidadão.

Daí para a Igreja Católica, encontro de jovens, teste vocacional para o seminário foi um pulinho. Dar uma volta no destino, um drible na sina. Foi o que fiz. E para isso eu contei com uma ajuda inestimável e inesquecível.

Foi num carnaval que conhece Márcia Marina Rufatto, paulistana da Liberdade. Passamos uma noite conversando, no banco do jardim, a trinta metros de onde eu deveria ter morrido esfaqueado. Foi ela que, abrindo os braços, me perguntou, indignada: “meu amigo, que futuro você tem aqui?”

Foi meu último carnaval em Cosmorama.



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