quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

RIO PRETO D - A IDADE E A INVISIBILIDADE

Publicado no JORNAL DE HOJE em 21/02/15



Faz algum tempo que a velhice se tornou um tema recorrente na minha cabeça. Tenho observado os velhos. E tenho sonhado com os velhos. Sonhei dia desses com minha avó Francisca e ela estava muito velha neste sonho. Com bem mais idade do que quando morreu. Ela estava numa sala cheia de gente e ninguém a via. Estava invisível como todos os idosos ficam. Nós tornamos os idosos invisíveis. Invisibilizar gente: é isso que a idade faz com as pessoas.

Ver os velhos de passos curtos, com seu caminhar tateante, me faz imaginar minha velhice que se aproxima a passos de gigante, galopante, veloz como Jesse Owen sob os atônitos olhos de Adolf Hitler. Sei que não estou preparado para a velhice e levei um susto ontem, ao ler o convite para a missa do sétimo dia de Durval José Bertoco. O Grande Arquiteto do Universo o levou para o Oriente Eterno. 

Talvez a chegada da idade seja isso, como canta Zélia Ducan: 

Não somos mais
Que uma gota de luz
Uma estrela que cai
Uma fagulha tão só
Na idade do céu...

Ou seja essa janela na fresta do tempo para que, em calma, a gente possa ver nossos amigos indo embora, enquanto nós vamos nos engolfando em nossas dores íntimas, nossas desesperanças inconfessáveis, nossos desconfortos internos como usar fraldão para ir ao baile da terceira idade e sorrir aquele sorriso colgate de mentirinha. 

A idade me ronda, ela anda encanecendo o que me restou de cabelos. Tento me esconder da sua presença, mas que nada, ela sempre me encontra. Seja no topo de uma escada, no arfar de um andar mais depressa, nos comprimidos da manhã que me eram desconhecidos até pouco tempo.

Ontem, prestei atenção num velho cambaleante que, trôpego, arrastava seus pés num andar desengonçado, como que bêbado a procurar apoio no vazio. Pensei em que como teria sido meu pai idoso. Ele morreu aos 32 anos. Teria 73 agora. Como seria seu andar? Como ele veria o mundo que nós vivemos? Como ele curtiria seus bisnetos que começaram a chegar, aos borbotões?

A velhice faz isso com a gente: vem trazendo lembrança e nostalgia. Recordações boas e más. As más a gente deve jogar no cesto de lixo da memória e larga-las lá, se roendo de inveja das boas lembranças que nos fazem rir e abrir a alma para o céu. Ainda vejo, no baú das memórias, o andar bonito da professora Maria Augusta pelos corredores da escola... como ela fica cada vez mais linda nas brumas das lembranças!

Sei que essa presença da idade vai ser cada vez mais presente e não há como fugir, como escreveu Knut Hamsun. A vida é um cerco, um bumerangue invisível nas mãos habilidosas do destino. A velhice nos conduz à invisibilidade, não como queria Ralph Ellison, mas como quer a modernidade que nos consome pantagruelicamente todos os dias.


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