quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

RIO PRETO D - NOITE EM BRASÍLIA

Publicado no JORNAL D HOJE





Vinte horas e um calor quase insuportável faz a gente suar apesar da noite já ter chegado há algum tempo. Estou sentado no meio fio, do lado de fora do Anexo IV da Câmara dos Deputados, em Brasília. Sentado do lado de fora por escolha. Tenho crachá oficial para circular na casa. Sou um cara com crachá, como cantou Gilberto Gil. Espero, ali na noite, o deputado recém-eleito Marcelo Álvaro Antônio, do Barreiro, famoso bairro de Belo Horizonte.

De onde estou, bem na minha frente, vejo o Palácio do Planalto. Todo aceso. Com certeza, segundo se comenta em Brasília, Dilma deve estar trabalhando. “É um pé de boi para trabalhar”, disse um dia o ex-deputado Waldemar da Costa Neto, ao se referir a ela. Disse também que ela estava matando os deputados à mingua por não liberar as “verbas”. Essas verbas que todos os deputados “fazem jus” para fazer política na sua região. É o que eles dizem. Aliás, não existe sequer um deputado que se autodenomine corrupto, leviano ou mau brasileiro. Não existe deputado apátrida. 

Penso em Dilma, neste momento. Tento imagina-la, jovem, trancafiada nos porões da ditadura. Que tipo de tortura ela sofreu? Nem ouso escrever o que pensei. Imaginei como estão hoje seus carcereiros e seus torturadores! Que sentem eles? Ódio? Temor? Indiferença? Talvez a indiferença ou júbilo. Devem se sentir orgulhosos diante da lambança dos atuais governantes que se dizem de esquerda... 

“Estão vendo? Era disso que queríamos livrar o Brasil.” Com certeza o delegado Fleury falaria isso na Comissão da Verdade. Maurício Grabois estaria se perguntando se a morte de todos os seus guerrilheiros na selva paraense teria valido a pena. Talvez, são tantos talvezes (existe plural para essa palavra?) a serem murmurados, vindos diretamente dos fundos das masmorras do DOI-CODI, que os atuais governantes deveriam se ajoelhar. Mas eles não se ajoelham. Eles dizem que estão certos, que estão sendo massacrados pela imprensa direitista e internacional. Eles são as vítimas; os outros são os bandidos.

Aqui, na porta do Anexo IV, olhando para o Palácio do Planalto, me lembro do meu avô materno, seo Altino Neves, baiano trabalhador que dava pena, que todo dia, após o banho, mesmo com a canseira da lida no café, atravessava a colônia para ir a última casa, ouvir a “Hora do Brasil” e prosear com seus amigos sobre os destinos do país. Eles eram todos governistas e tinham medo dos comunistas, mesmo sendo explorados a vida toda pelos patrões.

Não sei o quê meu avô, que sempre foi pobre e trabalhador, pensaria do Bolsa Família. Acho que ele sentiria vergonha, mas teria um orgulho enorme de ver sua filha, Célia Neves Teodoro, ingressar na faculdade aos 60 anos de idade. Tia Celia vai se sentar nos bancos da faculdade graças seus esforços e suas próprias habilitações, tão cheia de sonhos e viço como uma personagem de John Steinbeck. Ela sempre sonhou com isso, desde mocinha, quando eu - moleque danado de peralta - a acompanhava, juntamente com o tio Aléscio, à escola. Eram uns dois quilômetros de escuridão.

Assim como Dilma, nas trevas da prisão, hoje governa o país, tia Célia esperou com paciência e fé mais de 40 anos para chegar à faculdade. É nela que penso aqui em Brasília, nesta noite, sentado no meio fio, no centro do poder. (Brasília, 30 de janeiro de 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário