terça-feira, 10 de março de 2015

RIO PRETO D - A MULHER DO PINTOR

Publicado no JORNAL DE HOJE em 10/03/15



“Ibraim, o astrônomo, é muito sábio.

Ele sabe a que ponto do céu se dirige um cometa, mas ignora onde todas as noites a sua mulher se encontra com o amante.” (O Jardim das Carícias. - Pág. 80. Tradução de Adalgisa Nery, do francês, de Franz Toussaint, que traduziu do árabe)

Era um casal feliz. Pelo menos era o que aparentava. Ela, uma morena bem fornida, de nádegas maiores que as ancas e de seios volumosos, de rosto bonito e pele morena. Tudo nela transpirava sensualidade. Cada movimento, cada passo, cada gesto, cada olhar, até mesmo sua voz, destilava sexualidade. E havia nos seus olhos uma inocência incompatível com seu corpo e seu sorriso. Havia nela algo que não se encaixava.

O marido era franzino, magérrimo e de pouca estatura. De longe, vê-los juntos era como ver uma mãe e um filho. Ele tinha olhos azuis muito fortes, dádiva de seus ascendentes de origem italiana. Seu rosto era o de um homem muito sério, sempre de tez franzida e sua voz, tonitruante, não combinava em nada com sua compleição física. Tinha voz de locutor do Repórter Esso. Era trabalhador, pintava paredes. Levava com ela uma vida regular, sem luxo, porém sem pobreza aparente.

Diziam as boas e as más línguas que eles foram traídos pela natureza. Segundo a voz do povo (que dizem ser a de Deus), eles se casaram muito jovens. Quando se casaram, mediavam os corpos; ele era mais velho e ela tinha quinze ou dezesseis. De repente ela esticou, cresceu e passou ele em altura. Após uma gravidez mal sucedida, ela deu outra espichada, desta vez na largura, e ele continuou o mesmo rapaz franzino de quando havia se casado. Coisas da vida.

A língua do povo é severa (não tem a mesma suavidade do amor de Deus) e segundo o povo, aquela mulher vivia com vontades inconfessáveis. Em português mais claro: era muita areia para um caminhão tão pequeno. Havia, todavia, um pormenor: ela nunca saía de casa. Apenas de manhã, quando beijava o marido no portão, desejando-lhe um bom dia de trabalho, e à tarde, ao cair do sol, quando o recebia de volta, cansado, suado. Do mais, ela levava uma vida de clausura.

Mas a voz do povo...

Num final de semana eles amanheceram e não anoiteceram. Suas tralhas e mobília rapidamente foram colocadas num caminhão de mudança e nunca mais se teve notícia daquele casal tão desigual. Haviam se mudado; muita gente estava se mudando para cidades grandes. Com eles não devia ter sido diferente e minguem soube para onde os dois foram.

Passada uma década, o novo morador da casa resolveu fazer um puxadinho para o filho que se casara às pressas. No abrir o alicerce, uma ossada humana foi encontrada. A Polícia Científica foi chamada e os ossos examinados. 

A cidade pequena entrou em polvorosa. Todo mundo já sabia de antemão o resultado: era a ossada da pobre mulher do pintor. Certamente ele a havia assassinado por ciúme, por alguma traição daquela mulher que transpirava sensualidade. Quando o resultado saiu, a comoção foi geral: eram os ossos do pobre e franzino pintor.

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