domingo, 8 de março de 2015

RIO PRETO D - MULHERES

Publicado no Jornal D HOJE



A vida hoje ficou mais fácil para as mulheres? Acredito que sim. Tenho lembranças nada agradáveis sobre as mulheres dos meus tempos de criança e adolescência. Claro que também tenho aquelas que foram agradáveis, cujas lembranças carrego comigo, trancafiadas a sete chaves.

Uma delas me choca até hoje. Sandrinha era uma menina bonita, branquinha, de cabelos pretos; criada pela avó. Não sei o que aconteceu com seus pais, mas ela e o irmão viviam com a avó numa casa de terreno grande. Tínhamos medo da avó dela. Era um dos poucos quintais que a molecada do meu tempo respeitava. Um dia Sandrinha arrumou um namorado. Um cara mais velho que tinha vindo de São Paulo. Namoraram uns três meses e o cara sumiu. Semanas depois, ela foi encontrada dependurada no seu quarto. Havia se enforcado.

Janete era uma menina magra, alta, risonha e brincalhona, nascida numa família de muitos irmãos homens. Era vítima das brincadeiras dos meninos e meninas que usavam qualquer palavra que rimasse com “nete” para deixa-la irritada. Hoje sei que aquilo era bullying. Mas não era nada violento. Ela tirava de letra, ria da cara dos moleques e, como era alta, volta e meia quebrava a cara de um de nós no tapa. Um dia a notícia correu e nos entristeceu a todos de uma forma inesquecível. Ela havia se suicidado.

Leonice não teve muito sorte na vida. Era bonita, bem fornida de corpo, sorriso bonito. “Caiu na vida cedo”, como diziam os adultos (alguns com tara nos olhos; algumas com inveja inescondível!). Um dia, antes dos vinte anos, Leonice amigou com um motorista de caminhão, foi morar perto do cemitério. Os dois mobiliaram uma casa e tudo parecia muito bem. Ele viajava toda semana, fazia a linha São Paulo-Cuiabá. Certa vez, ele saiu na segunda-feira e o corpo de Leonice foi encontrado dois ou três dias depois, por uma vizinha que estranhou a casa fechada. Ela havia se enforcado.

Sonia era uma branquinha cheia de graça, mas de temperamento difícil. Era da família pobre, pai alcoolista, mas muito trabalhador, porém violento; mãe submissa e uma carrada de irmãos menores. Começou a namorar um rapaz de melhor condição financeira. “Se perdeu” e “pegou barriga”, como diziam os antigos. O rapaz não assumiu a paternidade, mudou-se para São Paulo, e ela ficou “falada”. O pai a pôs pra fora de casa a pontapés. Ela foi viver na zona do meretrício, em Minas. Nunca mais eu soube nada de Sonia, que era minha amiga de infância, mas do rapaz eu sei: está enterrado em Cosmorama, vitimado por um câncer insidioso.

Será que hoje, trinta anos após todas essas tragédias, essas mulheres teriam perdido suas vidas? Seus destinos teriam sido diferentes? Teriam tido elas a oportunidade de tocar suas vidas e criar suas famílias e viver com dignidade?

O mundo mudou sim, pelo menos da soleira da porta de casa para fora. Dentro de casa, talvez ainda impere a truculência da ignorância, das agressões verbais, das torturas psicológicas, do pátrio domínio, da servilidade doméstica. Como costuma dizer uma amiga psicóloga: “vocês não tem ideia do que acontece dentro de uma casa!”

Todavia, em nome de Sandrinha, Janete, Leonice e Sônia eu possa dizer que a vida para as mulheres está um pouco menos espinhosa do que foi para elas.

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